Blog FINANÇAS
DO ESTADO BRASILEIRO, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Nelson
Leitão Paes - Programa de Pós-Graduação em
Economia - PIMES/UFPE. End: Av. Professor Morais Rego, s/n, Centro de Ciências
Sociais Aplicadas, Cidade Universitária, Recife-PE, CEP 50.670-901.
RESUMO
Neste artigo, utilizou-se um modelo de equilíbrio
geral dinâmico para estimar os efeitos econômicos e sobre a arrecadação dos
Estados da adoção do princípio do destino na tributação do ICMS, de longe o
principal tributo brasileiro. Os resultados mostram impactos importantes sobre
a arrecadação dos Estados, com ganhos de quase 40% no Piauí, e perda de mais de
13% no Espírito Santo, o maior prejudicado. De maneira geral, os Estados menos
desenvolvidos são beneficiados pela nova sistemática, contribuindo para a
redução das desigualdades na distribuição da arrecadação na federação, mas com
pouco efeito sobre o produto e o consumo.
1. INTRODUÇÃO
A desigualdade regional é um dos traços mais
marcantes e persistentes da federação brasileira. Superá-la consiste de um
desafio de grandes proporções e envolve aspectos econômicos, sociais e
culturais, entre outros. O presente trabalho busca enfocar como a forma de
tributar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal
tributo brasileiro, contribui atualmente para o aprofundamento das diferenças
econômicas entre os Estados e como a alteração na sistemática da cobrança abre
a possibilidade para o seu enfrentamento.
Apenas para contextualizar a situação presente, a
arrecadação própria per capita de dois Estados nordestinos como Piauí e
Maranhão corresponde apenas a 25% e 31%, respectivamente, da média brasileira,
situação atenuada, mas longe de ser resolvida, após as transferências verticais
da União, quando a disponibilidade de recursos sobe para 54% no Maranhão e 66%
no Piauí1.
Em certa medida, a situação desfavorável em termos
de disponibilidade de recursos estaduais per capita de alguns Estados decorre
da adoção do princípio da origem na tributação do ICMS nas transações
interestaduais. Por este princípio, parte substancial da arrecadação deste
tributo se destina ao Estado produtor da mercadoria. Com isto, o ICMS perde o
seu caráter de imposto sobre o consumo, tornando-se um tributo misto, incidindo
tanto sobre a produção quanto o consumo.
A proposta que será aqui analisada examina os
efeitos econômicos e sobre a arrecadação dos Estados, da adoção do princípio do
destino, no qual o ICMS é repassado integralmente ao Estado onde a mercadoria é
consumida, recolocando o imposto novamente na condição de um autêntico tributo
sobre o consumo. Tal mudança promoverá uma razoável redistribuição de recursos
com clara vantagem para os Estados consumidores em detrimento dos produtores.
Não é por outro motivo que a adoção do princípio do
destino sempre se constituiu num dos principais óbices para a implantação da
Reforma Tributária, uma vez que, os Estados produtores se colocam em posição
contrária, temendo a perda de receitas. Adicionalmente, deve-se ressaltar o
peso que o ICMS tem na arrecadação dos Estados, que na maioria deles,
ultrapassa os 80%.
Na literatura nacional são poucos os trabalhos que
exploram o impacto quantitativo da mudança da sistemática da cobrança do ICMS.
O primeiro a estimar a redistribuição de receitas decorrente da adoção do
princípio do destino, ainda que superficialmente, foi o artigo de Varsano
Varsano (1997), mas foi o trabalho de Paes and Siqueira (2005) que adotando um
modelo de equilíbrio geral, calculou perdas e ganhos para os Estados. Tal
artigo concentrou-se demasiadamente na demanda, adotando a hipótese de uma
firma representativa para todo o país. O presente trabalho enriquece e
aprofunda a análise ao incorporar uma firma e família representativa por
Estado, alterando os resultados obtidos por aqueles autores.
A próxima seção trará uma rápida análise do ICMS e
da forma de tributação das transações entre Estados. Na seção seguinte será
apresentado o modelo de equilíbrio geral usado para simular a adoção do
princípio do destino, sendo em seguida realizada a calibração. Na seção 4 os
resultados serão discutidos e por último, a seção 5 traz os comentários finais.
2. O ICMS INTERESTADUAL
Como se sabe o ICMS, um imposto estadual, é o
principal tributo brasileiro, respondendo por aproximadamente 25% de toda a
carga tributária nacional. Para bens produzidos ou importados e consumidos
dentro do próprio Estado, todo o produto da arrecadação destina-se ao próprio
ente federativo. Entretanto, nas transações interestaduais, a arrecadação do
imposto se subdivide entre o Estado onde ocorreu a produção da mercadoria e o
Estado onde ela é consumida. A alíquota padrão do ICMS é de 17%.2
Para o comércio interestadual valem as alíquotas
definidas por resolução do Senado Federal. Os Estados do Norte (N), Nordeste
(NE), Centro-Oeste (CO) e Espírito Santo (ES) possuem alíquotas mais benéficas
do que o restante dos Estados do Sudeste (SE) e o Sul (S) como forma de
incentivar o desenvolvimento dos primeiros.
Assim, um produto vendido da Região Nordeste para a
Região Norte terá alíquota total para o consumidor de 17%, mas 12% pertencerão
ao local de produção (NE) e 5% ao local de consumo (N). O mesmo resultado se
aplica caso a venda fosse para um Estado do Sul ou Sudeste. Por outro lado, um
produto vendido da Região Sul para o Espírito Santo, da alíquota total de 17%,
7% pertence ao Estado produtor (S) e 10% ao consumidor (ES). A regra geral é
que, saindo de uma região menos favorecida (N/NE/CO+ES), o produto paga sempre
12% na origem e 5% no destino. Quando ele sai de uma região mais favorecida
(S/SE-ES), paga 7% na origem e 10% no consumo se for destinado ao N/NE/CO+ES,
ou 12% na origem e 5% no consumo se for destinado ao S/SE-ES. Portanto,
atualmente, o Brasil aplica um princípio misto na tributação interestadual, com
parte da arrecadação na origem e parte no destino.
Como uma fatia substancial dos recursos fica com o
Estado produtor, torna-se interessante para os entes federativos expandir ao
máximo a sua produção, aumentando a sua arrecadação, mesmo que nos limites do
seu território não haja aumento do consumo. Melhor dizendo, o ICMS adquire em
parte um caráter de imposto sobre a produção.3
Por outro lado, a adoção do princípio do destino
implica que toda a arrecadação do ICMS passe para o Estado onde a mercadoria é
consumida. Por esta razão há uma compreensível dificuldade a ser contornada e
que ao longo dos últimos anos contribuiu para inviabilizar as propostas de
reforma tributária. Espera-se que a adoção do princípio do destino represente
perdas importantes de arrecadação nos Estados com maior produção e ganhos para
os Estados consumidores. Dada a dificuldade de recursos pela qual todos os
entes federativos vêm passando, não é surpresa que aqueles que têm a perder com
a proposta se oponham a ela. Entretanto, tal restrição pode ser contornada com
um período de transição razoável e o apoio federal durante esta passagem de
forma a suavizar o custo de ajustamento daqueles que terão perdas.
A proposta que será aqui analisada consiste em se
eliminar do sistema tributário brasileiro o princípio da origem para que seja
adotado o princípio do destino. Na proposta a ser apresentada a eliminação do
princípio da origem ocorrerá aos poucos.
Iniciando em 2004, as alíquotas interestaduais seriam
reduzidas em 50% em 2009 e totalmente eliminadas em 2014, quando finalmente
toda a arrecadação do ICMS ficaria com o Estado de destino. O prazo de 10 anos
é razoável e permite que os Estados prejudicados tenham uma transição mais
suave com o apoio da União.
O Estado do Amazonas não será incluído no princípio
do destino, pois é lá que fica localizada a Zona Franca de Manaus, local que
conta com diversos incentivos fiscais, municipais, estaduais e federais.
Pressupõe-se que eles serão mantidos, já que a sua eliminação reduziria em mais
de 50% a arrecadação do Estado segundo nossos cálculos.
As simulações que serão realizadas são importantes
para que se tenha uma idéia mais clara das conseqüências para cada ente
federativo da nova sistemática de cobrança do ICMS. Por exemplo, Varsano (1997)
estima que São Paulo perderia mais de 10% da sua arrecadação total, enquanto
Paes and Siqueira (2005) com uma metodologia com 27 famílias (uma por Estado) e
apenas uma firma representativa nacional, encontra perdas importantes, entre 5%
e 15% da receita, para São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul e
Santa Catarina. Entretanto, como se verá em seguida, ao se adotar um modelo que
contemple mais detalhadamente o lado da oferta, com a inclusão de 27 firmas
representativas (uma para cada Estado), e torna mais realista o lado da demanda,
ao permitir que a despesa pública estadual no único bem da economia seja também
tributada pelo ICMS, as perdas tornam-se menos significativas.
3. METODOLOGIA
3.1. Modelo
A economia artificial está baseada no modelo
neoclássico, é fechada, determinística e com população e tecnologia constantes.
Há informação perfeita por parte de todos os agentes econômicos e os mercados
são completos. Cada Estado possuirá uma firma e uma família representativa,
diferenciada pela renda e pelo estoque de capital. Existe apenas um único bem
nesta economia.
3.2. Famílias
Cada família fornece mão-de-obra e capital para a
firma de seu Estado e cada firma contrata apenas capital e mão-de-obra da
família do seu Estado. As famílias pagam impostos sobre consumo e renda,
enquanto o governo transfere renda e demanda o único bem produzido por esta
economia.
O modelo conta com 27 famílias representativas com
vida infinita, cada uma com níveis de renda e consumo e estoque de capital
inicial diferenciados. Para a diferenciação da renda das famílias, supõe-se que
cada família possui uma produtividade por hora trabalhada fixa. Assim, cada
hora de trabalho de cada família representará mais (ou menos) produção de
acordo com esta produtividade.
As famílias resolvem um problema dinâmico, com
preços e alíquotas tributárias dados e escolhem as seqüências de consumo, horas
de trabalho e estoque de capital, no período seguinte, que maximizam a sua
função utilidade (1).
em que β denota o fator de desconto
intertemporal,αo peso do consumo na função utilidade, cti o
consumo da família i (i = 1,...,27) no tempo t e hit
as horas trabalhadas pela família i no tempo t.
As famílias, entretanto, devem obedecer a restrição
orçamentária (2) e ao fato de que o estoque de capital deve ser não negativo,
ou seja, kit > 0.
Nestas expressões,τFt representa a alíquota do
imposto federal sobre o consumo no tempo t; si representa a
fração do consumo da família i que é tributada pelo ICMS, já que principalmente
serviços não sofrem a incidência deste imposto,τjiEt a
parte da alíquota do ICMS do consumo da família i que é repassada para o Estado
produtor j; τji a parte da alíquota do ICMS do consumo da
família i de bens produzidos no Estado j que fica com o Estado
consumidor i e aji é a proporção no consumo da família
i de bens produzidos no Estado j. Observe que quando a família i
consome bens produzidos dentro do próprio EstadoτjiEt
= 0. Por convenção, para estas variáveis, o primeiro índice (j no caso)
corresponde ao local onde o bem foi produzido e o segundo índice (i no
caso) é o local onde o bem foi consumido.
As demais variáveis e parâmetros sãoτht
a alíquota do imposto sobre a renda do trabalho pago pela família i no tempo t;
wt é o salário bruto da economia no tempo t; ξi
é a produtividade da família i;
Tit a transferência governamental recebida pela
família i no tempo t e rt é o preço antes dos impostos,
do aluguel do capital no tempo t, kit representa o estoque de
capital da família i no tempo t e Tkt é a alíquota do imposto
sobre a renda do capital .
As respectivas condições de primeira ordem nos
fornecem as seguintes equações:
3.3. Firmas
Já as 27 firmas são competitivas, contratando
mão-de-obra (hit) e capital (kit) das
famílias do seu estado. O problema da firma é basicamente estático, ou seja,
ela escolhe as quantidades de insumos e produto que maximiza o seu lucro. A
função de produção é do tipo Cobb-Douglas:
onde θ é a participação da renda do capital na
renda total e yit é o produto estadual. Maximizando os lucros
obtém-se a taxa de juros e o salário:
3.4. Governo
São dois os tipos de governo. O governo estadual
possui apenas um tributo, o ICMS, e a sua arrecadação decorre tanto das vendas
realizadas dentro do Estado quanto das vendas de seus produtos realizadas em
outros Estados. A restrição orçamentária dos governos estaduais é dada por:
onde git é a despesa pública
estadual com o único bem da economia. De forma a tornar o modelo mais próximo
da realidade, as compras dos governos estaduais são também tributadas pelo
ICMS. O governo federal arrecada impostos derivados de todos os demais
tributos, à exceção do ICMS, para financiar seus gastos no único bem da
economia e fazer transferências para as famílias.
Em que ηi é o percentual da
população no Estado i em relação a população total do Brasil. A restrição
orçamentária federal é dada por:
Em queγFt corresponde a arrecadação
tributária no tempo t, gFt a despesa federal com o bem único
da economia no tempo t e Tt é o total de
transferências às famílias também no tempo t. O conjunto das seqüências
relativas às variáveis fiscais {Tit,gFt} e parâmetros tributários{τkt,τFt,τEtji,ji,τkt}é
dado exógenamente, exceto a despesa estadual, calculada endogenamente por 8.
3.5. Equilíbrio
As famílias escolherão as seqüências {cit,hit,kit}
que maximizam sua utilidade sujeito a restrição orçamentária de cada uma, enquanto
que as firmas representativas escolhem {hit,kit}
de forma a maximizar seus lucros, respeitando a restrição agregada da economia
estadual:
ondeγi é a fração da despesa federal no
bem único produzido no Estado i. Para o cálculo do equilíbrio deve se
resolver o sistema de equações de diferenças não-lineares composto por 3, 4, 6,
7, 8, 9 e 10, dado ki0.
A dinâmica do consumo das famílias é obtida
substituindo 6 em 4:
Substituindo 7 em 3 tem-se a condição para as horas
trabalhadas das famílias.
3.6. Solução do Modelo
Substituindo o consumo de 13 em 12 e em 11 e usando
8 para calcular git, obtemos um sistema de equações composto
por 8, 11 e 12 em cada período t, e tendo como incógnitas as trajetórias
de {hit}Tt=0, {kit}Tt=0e
{git}Tt=o para cada Estado.
Adotamos o período de transição até T = 50. São,
portanto, 1.377 variáveis de horas de trabalho (27 Estados x 51 períodos (0 a
50)), 1.377 variáveis para o gasto estadual e 1.323 variáveis do capital. A
diferença ocorre porque o capital inicial de cada um dos 27 Estados da
federação é dado, bem como pelo capital de estado estacionário, obtido por meio
da equação 16 em estado estacionário:
Como cada uma das equações 14, 15, 16 acima são
aplicáveis para cada Estado, temos um total de 2 x 27 x 50 (capital e horas de
trabalho) + 27 x 51 (gasto estadual) = 4.077 equações. Resolvemos este sistema
não linear composto por 4.077 equações e 4.077 variáveis utilizando o método de
Broyden para solução de sistemas não-lineares.4
3.7. Calibragem
3.7.1. Parâmetros Obtidos do Novo Sistema de
Contas Nacionais do IBGE: 2000 - 2005
3.7.2. Distribuição das Famílias
A distribuição das famílias por Estado no modelo é
dada pelo parâmetro ni com o uso dos dados das Contas Regionais 2004
do IBGE (2006) para determiná-lo.
3.7.3. Horas Trabalhadas
As horas trabalhadas para cada família foram
determinadas utilizando os dados do Censo 2000 do IBGE (2002). O Censo,
entretanto, não fornece diretamente o número de horas trabalhadas por Estado.
Para resolver este problema, utilizou-se de dados do Censo que mostram horas
trabalhadas por região e considerou-se que todos os Estados dentro de determinada
região possui o mesmo número de horas trabalhadas. De posse destes dados
pôde-se determinar as horas trabalhadas semanais por Estado. Para este modelo,
preferiu-se trabalhar com a relação total de horas trabalhadas por total de
horas semanais.
3.7.4. Produto e Arrecadação Estadual
O produto per capita por Estado foi obtido das
Contas Regionais 2004 (IBGE, 2006). Todos os valores calibrados neste modelo
estão em proporção do PIB per capita nacional, que foi fixado em 1. Já os dados
da arrecadação estadual per capita foram retirados de informações do Conselho
Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) para 2004 (CONFAZ, 2004). Tem-se,
então, a tabela a seguir.
3.7.5. Taxa de Juros, Salário, Produtividade e
Capital
A taxa de juros real é dada pela diferença entre a
taxa SELIC vigente em dezembro de 2004 e a inflação acumulada pelo IPCA em
2004, o que implica em r = 0,1170. Por outro lado, dada a estrutura
competitiva das firmas podemos calcular salários e estoque de capital por
Estado como
e
.
A produtividade pode ser calculada da equação dos salários, 7. Substituindo
valores construímos a próxima tabela.
3.7.6. Depreciação e Taxa de Desconto Intertemporal
A depreciação é obtida do investimento,δ=
=0,0439, enquanto a taxa de
desconto intertemporal sai da equação 12 no estado estacionário,β= 0,9441.
3.7.7. Consumo, Fluxo comercial entre os Estados e
Percentual do Consumo Tributado pelo ICMS
O fluxo comercial entre os Estados foi obtido do
trabalho "Balança Comercial Interestadual 1999" do CONFAZ (CONFAZ,
1999), que mostra quanto cada Estado vendeu para os demais. De posse destes
dados foi montada a matriz constante do apêndice, que representa os
coeficientes aji, ou seja, a proporção no consumo da família i
de bens produzidos no Estado j. Adotou-se a hipótese de que não houve
modificação na distribuição percentual do consumo dos Estados por origem dos
produtos entre 1999 e 2004.
Com relação ao consumo, nem todo ele sofre a
incidência da tributação do ICMS, e mais ainda, as alíquotas não são todas
fixas em 17%. De fato, existe uma série de produtos que recebem alíquotas mais
elevadas como comunicações, combustíveis e bebidas, e outras com alíquotas
menores, especialmente alimentos e medicamentos. No modelo o parâmetro si
trata de fixar a alíquota efetiva que cada família paga em seu Estado, ao ser
multiplicada por 17%, a alíquota padrão do ICMS. Desta maneira si17%
representa a alíquota efetiva do ICMS no Estado i.
Partindo dos dados de arrecadação estadual do CONFAZ
(2004), com informações sobre a arrecadação do ICMS por Estado, e usando as
equações 8 e 13 calculamos o consumo e a alíquota efetiva do ICMS por Estado,
conforme tabela a seguir.
São necessárias algumas
observações a respeito destes números. Primeiro em relação ao Amazonas, local
onde fica a Zona Franca de Manaus que goza de inúmeras isenções relacionadas ao
ICMS, tanto nas vendas locais quanto para outros Estados, e explica a baixa
alíquota efetiva obtida. Por outro lado, alguns Estados aparecem com alíquotas
efetivas muito próximas ou superiores a 17%, como Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Piauí, Rondônia e Tocantins. A explicação aqui reside tanto no fato de que
nestes locais o consumo é relativamente pequeno em relação ao restante do país,
seja por falta de renda ou por baixa população, quanto na própria
característica do ICMS de que a arrecadação em um Estado decorre em boa medida
do consumo nos outros Estados de mercadorias produzidas no Estado de origem.
Ora, como a alíquota efetiva é calculada dividindo a arrecadação do ICMS de
vendas internas e a outros Estados pelo consumo do próprio Estado, tem-se
nestas duas explicações a razão para a alíquota elevada. Reforçando tal
argumento, observa-se que ao dividir a arrecadação do ICMS fornecida pelo
CONFAZ (CONFAZ, 2004) com os dados do produto por Estado das Contas Regionais
2004 Tocantins, Mato Grosso do Sul e Rondônia fornecem os valores mais
elevados.
3.7.8. Tributação sobre o Consumo Estadual
Como já visto, para o comércio interestadual valem
as alíquotas definidas por resolução do Senado Federal. Dentro dessa lógica, τjiEt
representa a parte da alíquota do ICMS do consumo da família i que é
repassada para o Estado produtor j (12% ou 7%) e τjiIt
é a parte da alíquota do ICMS do consumo da família i de bens produzidos no
Estado j que fica com o Estado consumidor i (5% ou 10%, ou ainda,
17% se o bem for produzido e consumido dentro do próprio Estado). Para efeito
do modelo, as alíquotas da tributação do ICMS devem ser multiplicadas pelo
coeficiente si para a representação das alíquotas efetivas.
3.7.9. Peso do Consumo na Função Utilidade
O peso do consumo na função utilidade foi obtido de
forma a compatibilizar o consumo estadual com a participação do consumo no PIB
dado pelo Novo Sistema de Contas Nacionais do IBGE para o ano de 2004 (IBGE,
2007), c = 0,6219, tendo sido obtido o valor de a = 0,3912, valor em linha com
os descritos na literatura.
3.7.10. Participação dos Estados na Despesa
Federal e Transferências Governamentais
A participação dos Estados na despesa federal per
capita com o bem único é dada pelo parâmetro Yi, pode ser
calculada usando a restrição agregada, equação 11. Já as transferências per
capita do governo federal para as famílias em cada Estado, são obtidas pela
restrição orçamentária das famílias equação 2.
Em linha com o que seria de se esperar, Distrito
Federal e Rio de Janeiro, capital e ex-capital brasileira, são os entes federativos
mais beneficiados pela despesa e transferência federal.
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Nas simulações que serão apresentadas, é importante
destacar que a Zona Franca de Manaus foi preservada, o que para efeito de
modelo, implica na manutenção do Estado do Amazonas na estrutura da tributação
do ICMS atual.
A mudança do princípio da origem para o do destino
não implicará em mudança na alíquota tributária efetiva do ICMS, que
permanecerá com o mesmo valor de antes da mudança. O que ocorrerá será uma grande
redistribuição da receita do ICMS entre os Estados.
A nova distribuição das receitas terá um impacto
significativo sobre as receitas estaduais, alterando, por conseguinte a despesa
estadual. Entretanto, para cada Estado, a relação capital-trabalho não se
alterará, embora para alguns Estados haja aumento da produção enquanto que para
outros, redução. Para aqueles em que houve crescimento da produção, em razão
principalmente do aumento da demanda do governo, teremos incremento do estoque
de capital acompanhado por aumento das horas de trabalho. Dado que da
maximização da utilidade das famílias, a relação entre a utilidade marginal do
consumo e do lazer é dada pela relação entre o preço do consumo com tributos e
o preço do lazer com tributos e que não houve alteração nestes preços, o
aumento das horas de trabalho implica em redução do lazer e conseqüentemente em
diminuição do consumo. Visto de outra forma, o aumento da produção leva a
necessidade de mais investimentos que implica em redução do consumo. Assim, os
Estados que aumentaram a sua arrecadação com a nova sistemática do ICMS,
experimentarão também aumento da produção e redução do consumo. Para os Estados
com perda de arrecadação, o processo é o inverso com redução da produção e
aumento do consumo.
Os resultados mostraram que a mudança na
sistemática da tributação do ICMS praticamente não afeta o produto e o consumo
dos Estados. Assim, apesar de ser uma alteração tributária de grande monta, seu
efeito direto sobre os agentes é reduzido. Não será diretamente que o princípio
do destino afetará as desigualdades regionais. Na verdade, conforme se vê na
Tabela abaixo, a sua força está na alteração da distribuição das receitas do
ICMS entre os entes federativos.
Verifica-se que os Estados do Sul, do Sudeste,
exceto o Rio de Janeiro, e mais Bahia e Mato Grosso do Sul perderiam com a
implantação do princípio do destino. Com a exceção da Bahia, nenhum dos
perdedores se situa entre os mais pobres do Brasil. Já os maiores ganhadores
são Acre, Alagoas, Maranhão, Distrito Federal, Piauí e Roraima. Exceto pela
presença do Distrito Federal, os demais Estados pertencem ao grupo mais pobre
da federação. Assim, a adoção do princípio do destino levaria a uma
distribuição mais eqüitativa dos recursos tributários entre os entes
federativos. Quanto ao Distrito Federal, trata-se de uma região que
praticamente não possui indústrias e importa quase tudo o que consome, como
qualquer Estado pobre. Entretanto, a capital federal possui a mais alta renda
per capita do Brasil.
Observa-se, assim, que o grande potencial do
princípio do destino para a redução das desigualdades regionais não está nos
seus efeitos diretos sobre o produto ou o consumo dos Estados mais pobres, e
sim no seu efeito indireto, ao carrear grandes somas de recursos para estes
Estados, que passam a dispor de quantias próprias fundamentais para o seu
desenvolvimento. Há muito que se fazer em áreas como infra-estrutura, educação,
saúde, saneamento e outras, e a mudança no ICMS pode gerar boa parte dos
recursos necessários.
Entretanto, algumas ressalvas são necessárias. É
preciso muita parcimônia dos Estados beneficiados com o uso destes recursos,
evitando o desperdício e a corrupção. O mesmo se aplica com os prejudicados
pela alteração, que deverão se reestruturar para conviver com menos recursos,
tendo a União papel preponderante no auxílio durante a transição. Por último, a
implementação do princípio do destino gera um potencial de arrecadação extra
para os Estados ganhadores, que só se tornará efetiva com a modernização da
Administração Tributária estadual e uma legislação que evite a evasão fiscal
nas transações interestaduais. Uma das alternativas que já foram propostas é o
mecanismo conhecido como "modelo do barquinho", proposto por Varsano
(1999), sob a hipótese de implementação de um IVA - Dual, ou seja, um IVA no
destino com parte da alíquota federal e parte estadual.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal imposto brasileiro, o ICMS, está
assentado atualmente em parte sobre a produção e em parte sobre o consumo, em
razão da adoção em parte do princípio da origem na distribuição das receitas
arrecadadas por este imposto nas transações interestaduais.
Neste artigo foram realizadas simulações alterando
a sistemática de distribuição de receitas para a adoção plena do princípio do
destino, no qual toda a arrecadação do ICMS seria destinada ao Estado
consumidor das mercadorias.
Entretanto, tal alteração não é neutra do ponto de
vista dos Estados. Como se viu nos resultados, os Estados produtores tem perdas
de arrecadação que chegam a quase R$ 1,4 bilhão, como no caso de São Paulo, em
valor absoluto, ou 13,4%, para o Espírito Santo, em termos relativos. Já os
ganhadores são os Estados consumidores, em geral, os menos desenvolvidos da
federação, mas que também inclui alguns dos mais desenvolvidos e com relativamente
pouca produção de mercadorias. Em termos absolutos, os maiores ganhos estão no
Rio de Janeiro, quase R$ 1 bilhão, e Distrito Federal, R$ 576 milhões. Em
termos relativos, os mais favorecidos são Piauí, com um acréscimo de 37% na sua
arrecadação, e Alagoas com um incremento de 33%.
Dado o impacto significativo nas finanças dos
Estados prejudicados pelo princípio do destino, é recomendável que a transição
de um regime para outro seja feita num intervalo de tempo razoável e com o
apoio do governo federal, de forma a minimizar os custos de bem-estar que serão
impostos à população. Políticas de aumento da eficiência na Administração
Tributária são importantes tanto para ganhadores quanto para perdedores. Os
primeiros para que a receita potencial com a nova sistemática se torne real, e
os últimos como tentativa de recuperar parte das perdas.
BIBLIOGRAPHY
CONFAZ (1999). Balança Comercial Interestadual
1999.
CONFAZ (2004). Boletim do ICMS 2004.
IBGE (2002). Censo Demográfico 2000.
IBGE (2006). Contas Regionais 2004.
IBGE (2007). Sistema de Contas Nacionais
2000-2005.
Miranda, M. J. & Fackler, P. L. (2002). Applied Computational Economics and Finance. MIT Press.
Paes, N. & Siqueira, M. L. (2005). Análise dos
efeitos econômicos da implantação do princípio do destino na cobrança do icms e
suas implicações sobre a pobreza e a desigualdade de renda. Economia,
6:129144.
Salvi, A. (2005). Mecanismos de transferências de
renda inter-regionais: Experiências brasileiras e européias. Escola de
Administração Fazendária - ESAF, 2005.
Varsano, R. (1997). A guerra fiscal do ICMS: Quem
ganha e quem perde. IPEA - Texto para Discussão 500.
Varsano,
R. (1999). Subnational taxation and treatment of interstate trade in Brazil:
Problems and a proposed solution. The World Bank Conference - Valdívia, Chile.
*
O autor agradece aos comentários de um parecerista anônimo, assumindo inteira
responsabilidade por qualquer erro remanescente.
2
É claro que nem todas as mercadorias são tributadas a 17%, já que os Estados
possuem competência para legislar a respeito do ICMS. Assim, encontram-se uma
série de mercadorias com alíquotas superiores, tipicamente comunicações,
combustíveis e bebidas, e outras com alíquotas menores, especialmente alimentos
e medicamentos.
3
Esta é uma das razões da existência da chamada "Guerra Fiscal".
4
Para referência em relação ao método ver Miranda and Fackler (2002).