Blog Erário
Brasileiro, de autoria de Álaze Gabriel.
Autoria:
Neide César Vargas. Professora Associado I e
pesquisadora do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito
Santo, Vitória, ES, Brasil.
RESUMO
O objetivo deste artigo é evidenciar a perspectiva
de disciplina fiscal atualmente dominante, visando desnaturalizar essa questão
tão dogmatizada pelo mainstream. O delineamento de dois contextos
institucionais no âmbito da história recente do capitalismo mundial, segundo a
concepção hegemônica no que tange à disciplina fiscal, permite identificar um
primeiro contexto em que prevalece uma visão de disciplina fiscal frouxa e um
segundo, no qual predomina a visão de disciplina fiscal forte, evidenciando o caráter
historicamente datado dessa noção e a sua particularidade no contexto atual.
Palavras-chave: Finanças públicas; Disciplina fiscal; Política
fiscal; Economia do setor público; Estado rentista.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a noção de disciplina fiscal
vem assumindo um papel central nas visões dominantes a respeito das Finanças
Públicas1.
A austeridade fiscal aparece como uma exigência inequívoca no âmbito das
políticas públicas e mesmo do senso comum. O controle do endividamento público,
a busca de redução ou, no mínimo, de estabilização dos níveis da dívida
pública, e a ideia da necessidade de geração recorrente de superávits fiscais
para alcançar tais objetivos encontram-se relativamente disseminados pelo mundo
e mesmo no Brasil. A questão do porquê restringir a atuação do Estado soa como
óbvia para o pensamento que se tornou hegemônico tanto no campo teórico quanto
prático. Verificou-se uma naturalização da noção de disciplina fiscal, a qual
alimenta a submissão do Estado a crescentes restrições fiscais e, em última
instância, aos interesses da valorização de capital, notadamente em sua forma
de capital fictício.
Entender de maneira crítica esse contexto requer
estabelecer alguns vínculos básicos entre tais concepções: a natureza da
disciplina fiscal e as grandes transformações sofridas pelo Estado e pela
Economia no capitalismo mundial. Essas transformações mais gerais desencadearam
mudanças nos Estados-Nação, alçando a questão da restrição fiscal e financeira
do setor público a um papel de destaque. É necessário evidenciar o aspecto
histórico dessa perspectiva que passa a nortear o trato das Finanças Públicas e
traz consigo a centralidade e a complexificação do conceito de disciplina
fiscal.
Sob a ótica dos interesses dos detentores de
crédito, seus maiores beneficiários no âmbito da ordem atual, a disciplina
fiscal pode ser analisada em dois grandes contextos institucionais: o primeiro,
que vai do pós segunda guerra até fins dos anos 70, etapa na qual a perspectiva
corrente de disciplina fiscal é considerada frouxa, e o segundo, que parte do
final da primeira etapa até os dias atuais, no qual se dissemina a noção de
disciplina fiscal forte2.
O objetivo deste artigo é, por meio do delineamento
desses dois contextos, evidenciar a perspectiva atualmente dominante de
disciplina fiscal, a visão de Estado, de déficit e de dívida pública que lhe
são correlatas, visando desnaturalizar essa questão tão dogmatizada pelo mainstream.
Este artigo está dividido em dois itens: o primeiro
destaca o contexto institucional de disciplina fiscal fraca (1) e o segundo
aborda o contexto recente de disciplina fiscal forte (2). Em ambos contextos,
as visões teóricas prevalecentes, relacionadas à atuação do Estado, à concepção
hegemônica acerca do déficit e dívida públicos, bem como à visão de disciplina
fiscal são evidenciadas em subitens específicos (1.1 e 2.1). No segundo
contexto, agregou-se também o subitem (2.2), que apresenta as novas concepções
de disciplina fiscal forte desde a matriz teórica da Economia do Setor Público
(Escolha Pública e Nova Economia Institucional). Esta última matriz é, na
maioria das vezes, desconsiderada nas discussões heterodoxas acerca da questão
fiscal. Por fim, o artigo apresenta algumas notas, à guisa de conclusão.
1 PRIMEIRO CONTEXTO: A DISCIPLINA FISCAL FRACA
A noção de disciplina fiscal pode ser analisada num
contexto que se configurou no pós segunda guerra sob a pressão de um ambiente
político prévio extremamente conturbado. A disseminação de questionamentos sobre
as virtudes da economia de mercado e do laissez-faire caracterizava
aquele ambiente, reunindo desde o descontentamento generalizado na Europa com
os efeitos das guerras mundiais, a grande depressão e os pavores do
nazifascismo até a ameaça de adesão ao comunismo por parte dos países
fragilizados. O contexto configurado englobava, no plano do Estado, um padrão
de articulação social que se refletia na esfera pública através da montagem do Welfare
State nos principais países desenvolvidos. A ampla e crescente atuação do
Estado que passou a se verificar tanto na esfera econômica quanto social
contribuiu para sustentar uma longa fase de prosperidade, com grande liberdade
para que os vários Estados Nacionais conduzissem as suas políticas econômicas e
de desenvolvimento, inclusive os países da periferia mundial (Belluzzo apud
Affonso, 2003, p. 11).
O modelo de acumulação de capital então
prevalecente, irradiado a partir da economia norte-americana, promovia
internamente, na esfera macroeconômica, o que Belluzzo (2000, p. 100) denomina
de uma "Economia da Demanda Efetiva". Esse modelo incorporava, como
um de seus elementos de dinamismo, o Gasto Público, podendo ensejar situações
de déficit fiscal. Desde as experiências concretas dos anos 30, nas quais vários
países obtiveram resultados favoráveis no combate à recessão a partir do uso do
gasto público, o déficit público tornou-se uma alternativa aos governos que se
viam politicamente pressionados por quadros recessivos e de elevado desemprego3.
O Estado passou gradualmente a ser visto como um
ente afirmativo, capaz de adotar um comportamento ativo no âmbito da dinâmica
econômica e social, promovendo, a partir de políticas públicas, ações indutoras
do bem-estar econômico e social. A pressão política para que o Estado assumisse
a posição de estabilizador de expectativas redundou numa ordem na qual se
destacou como ente fundamental, tornando possível, sempre que se considerava
necessário, recorrer a políticas de déficit público financiadas de maneira
relevante por meio do crédito. O ambiente institucional que se criou foi capaz
de garantir crédito barato e dirigido à acumulação produtiva, promovendo níveis
de crescimento econômico relevantes nas principais economias industriais com
manutenção do pleno emprego e da inflação em patamares rastejantes4.
Com o déficit e o gasto públicos alçados à
estratégia de atuação governamental mais relevante, a política fiscal se
transformou no instrumento por excelência dessa atuação. A tendência era a
adoção de uma política fiscal flexível, voltada para a ampliação do gasto
público com a aceitação social do déficit orçamentário enquanto instrumento de
promoção do pleno emprego, do crescimento econômico e da equidade.
O ambiente de política fiscal ativa conjugou-se ao
de uma política monetária acomodatícia, voltada para sancionar as decisões de
gasto das empresas, das famílias e do governo. O Estado compartimentalizava e
regulava com severidade a atuação das instituições financeiras com o controle
dos fluxos de capital especulativo. No plano interno aos países, a restrição à
atuação dessas instituições passou a predominar com amplo direcionamento da
oferta de crédito às aplicações produtivas. O crédito era disponibilizado às
corporações, às famílias e aos governos a taxas de juros baixas e estáveis
(Belluzzo, 2000, p. 100-101).
No plano internacional, num quadro de guerra fria,
verificou-se a disseminação do modelo de acumulação norte-americano,
estabelecendo-se uma relação de complementaridade entre essa economia
hegemônica, os principais países industriais e mesmo parcela da periferia
mundial. A relativa complementaridade entre as nações configurava-se, na esfera
produtiva, através da gradual absorção, pelo mercado interno norte-americano,
das exportações de outros países. Também provinham desse país, e posteriormente
dos países europeus, fluxos de investimento direto vinculados à expansão de
empresas transnacionais, disseminando seu padrão de acumulação pelo mundo.
O crédito internacional proveniente das economias
mais desenvolvidas, em especial dos EUA, também se dirigia, em caráter
prioritário, para a acumulação produtiva, financiando a expansão econômica em
escala mundial. Nesse contexto, o banco central norte-americano atuava, na
prática, como um emprestador de última instância para os demais países. Esse
direcionamento dos fluxos de capital para investimento direto ou para crédito
ao investimento direto contribuía para garantir o regime de câmbio fixo então
vigente e para o quadro geral de promoção da acumulação produtiva e de forte
atuação do Estado.
As taxas de juros e de câmbio relativamente
estáveis e orientadas pelos governos de forma a estimular a acumulação
produtiva levaram a uma ampla expansão da tomada de crédito voltado para a
esfera da produção. O contexto institucional vigente estimulava a captação de
recursos da parte de todos os agentes, sendo o lado devedor o mais favorecido
das relações de crédito no âmbito social como um todo, potencializando a
geração de riqueza produtiva (Belluzzo, 2000, p. 100).
Frente à relevante atuação do Estado, direta ou
indiretamente, à ampla utilização de políticas de demanda efetiva e do crédito,
bem como às políticas de desenvolvimento nacionais de forma disseminada em
âmbito mundial, a ideia de austeridade fiscal, de orçamento equilibrado e seus
congêneres perdeu espaço para visões teóricas mais ajustadas àquela situação. A
disciplina fiscal foi relegada a questão de segunda ordem tendo em vista o peso
pouco relevante do déficit e da dívida pública para os países mais avançados,
em especial até meados dos anos 60. Ante esse contexto institucional
específico, demandaram-se teorias na Economia mais compatíveis com o crescente
papel do Estado e que abrangessem o governo, o gasto e déficit públicos, bem
como as suas funções.
1.1 VISÕES TEÓRICAS DA ATUAÇÃO DO GOVERNO, DO
DÉFICIT, DA DÍVIDA PÚBLICA E A DISCIPLINA FISCAL FRACA
A arquitetura política do ambiente gestado nessa
primeira etapa de predomínio de políticas econômicas e sociais ativas, ao alçar
o Estado a um papel fundamental, requereu teorias que justificassem essa
atuação. Esse contexto ensejou o nascimento da Macroeconomia moderna, bem como
o da Economia do Setor Público. Keynes tornou-se um referencial teórico
fundamental no que tange à questão da atuação ativa do Estado nas economias
capitalistas. Mas é a Síntese Neoclássica, em especial a abordagem de
Samuelson, que forneceu as bases efetivas para a justificação e a ampliação da
presença do Estado na sociedade daquela ocasião. Esse amplo movimento teórico,
que se tornou consensual e disseminado a partir dos anos 50, resultou de
simplificações da teoria de Keynes. Filtrou-a de seus elementos centrais,
especialmente a noção de incerteza distinta de risco e da ocorrência do
desemprego involuntário, reintroduziu o paradigma do equilíbrio e tratou a
questão do desemprego a partir da noção de rigidez no mercado de trabalho
(Affonso, 2003, p. 12), compatibilizando a visão teórica preexistente com a de
Keynes por meio de modelos matemáticos, IS-LM, nos quais as expectativas dos
agentes estavam totalmente ausentes5.
Tais simplificações alteraram de maneira
substancial o pensamento original de Keynes6
ao mesmo tempo que ensejaram uma generalização da utilização de modelos
keynesianos no âmbito dos países, disseminando-os como um instrumento
hegemônico de condução da política econômica. A política fiscal foi alçada, por
essa perspectiva dominante, à esfera preferencial de observação teórica e ao
papel de política econômica por excelência, com a tarefa de gerar, através do
déficit público, o pleno emprego, sendo teorizada sob os supostos vigentes de
taxas de câmbio fixo e taxas de juros baixas e estáveis. A noção da curva de
Phillips, que se agregou a esse instrumental, difundia a ideia de que era
necessário aceitar certa inflação para se reduzir o desemprego. Sob a leitura
desse keynesianismo "bastardo", são estabelecidas as justificativas
teóricas de políticas econômicas ativas pautadas em mecanismos anticíclicos
automáticos voltados para suavizar as crises e efetuar transferências de renda
a segmentos socialmente fragilizados cujo cerne estava dado pela política
fiscal.
No debate acadêmico de então prevalecia o embate
dos autores da Síntese Neoclássica versus Monetaristas, cujo foco acerca da
disciplina fiscal se concentrava "nos efeitos do déficit público sobre a
inflação e o balanço de pagamentos (os chamados déficits gêmeos) e, de outro,
no impacto do gasto público na demanda agregada e nos investimentos privados em
decorrência do crowding out" (Lopreato, 2006, p. 2).
A Economia do Setor Público é um dos desdobramentos
teóricos da Síntese Neoclássica, incorporando, sob seu viés, a perspectiva
keynesiana. Em ambas, o Estado é reduzido à noção de governo, sendo tratado de
maneira a-histórica e separada da política. À Economia do Setor Público caberia
estudar as situações nas quais o governo se torna necessário, provendo o que
Samuelson chamou de Bens Públicos. Ela se configurou, em especial, a partir de
um quadro conceitual que conjugava as teorias de Samuelson, Musgrave e Arrow
(Oates, 2005, p. 350), sendo a atuação governamental entendida como complemento
às situações em que o mercado falhava.
Musgrave e Musgrave (1980) agregaram aspectos
adicionais à visão de Samuelson, evidenciando que a ação do governo se tornava
necessária para "corrigir" e "suplementar" o mercado.
Amplamente influenciados pela Síntese Neoclássica, esses últimos autores
definem que as funções do governo deveriam ir além da alocação de bens e
serviços. Envolveriam também a atuação na esfera da estabilização, na forma de
políticas de promoção de pleno emprego sem impacto inflacionário e na da
distribuição pautada na persecução de padrões de equidade considerados
socialmente aceitáveis a partir da adoção de políticas distributivas. Essa
visão das funções do governo relacionadas de forma fundamental à esfera fiscal
passaria a configurar a abordagem posteriormente difundida pelo mainstream
de que cabe ao governo exercer funções na esfera Alocativa, da Estabilização e
da Distribuição, tendo a política fiscal ativa como um importante instrumento.
Kenneth Arrow incorporou, nos anos 70, outro avanço
teórico de destaque na Economia do Setor Público com a distinção de papéis dos
setores público e privado. Pautado no equilíbrio geral walrasiano, utilizava,
como sustentáculos teóricos, a noção de ótimo de Pareto e a racionalidade maximizante
dos agentes econômicos. O conceito de falha de mercado é desenvolvido e
tipificado, passando a se difundir e fornecendo a justificativa teórica para
uma atuação governamental em amplas esferas (Affonso, 2003, p. 13).
A teorização do governo pela Economia do Setor
Público assentava-se numa visão que prescindia da sua dimensão política, bem
como a inserção em um contexto histórico particular. Aplicável a qualquer país,
essa teorização identificava no governo um ente interventor voltado para
corrigir as falhas de mercado, uma caixa preta sobre a qual não se teorizava.
Era um deus ex machina capaz de decidir e produzir os bens e serviços
públicos que não podiam ser produzidos pelo mercado.
A Economia do Setor Público consolidou-se como uma
área de conhecimento voltada para o estudo das falhas de mercado e das funções
do governo. Nela, a ideia de disciplina fiscal tinha pouco destaque, tal como
na Macroeconomia da Síntese Neoclássica. O momento histórico e a própria
perspectiva teórica hegemônica justificavam a ocorrência de déficits públicos,
o uso do crédito e da dívida para financiá-los. Se existiam restrições, elas
eram efetivamente voltadas para o campo monetário/financeiro e para dirigir os
recursos públicos e privados ao gasto produtivo, orientando os fluxos
internacionais de capitais, resultando em economias cujo funcionamento era
relativamente fechado e com ampla participação do Estado.
A ideia de falha de mercado justificava amplas
intervenções do Estado, coadunando-se com a expansão da atuação estatal tanto
na forma do Welfare State quanto nos Estados Desenvolvimentistas da
periferia mundial. No campo fiscal, chancelava uma concepção de flexibilidade
fiscal para uma atuação governamental cada vez mais abrangente.
A concepção de disciplina fiscal prevalecente nesse
contexto era frouxa, com facilidade para a tomada de crédito pelos diversos
agentes. O baixo risco ao qual os tomadores de recursos estavam submetidos
ampliava os níveis de investimentos globais e potencializava o crescimento
econômico. No caso do governo, essa facilidade possibilitava os déficits
orçamentários, borrando os limites entre a esfera fiscal e financeira de sua
atuação. Não obstante, a perda de dinamismo do modelo de acumulação nele
implícito em meados dos anos 60 gradualmente abriu espaços para a instauração
de um novo contexto institucional.
2 SEGUNDO CONTEXTO: A DISCIPLINA FISCAL FORTE
A perspectiva de flexibilidade no trato com a
questão orçamentária foi prevalecente no Estado capitalista até a perda de
funcionalidade do padrão de acumulação predominante desde o pós segunda guerra.
Isso se deu em meados dos anos 60, com a intensificação de seus efeitos
deletérios nos anos 70, especialmente na forma de estagnação, inflação e
crescimento da dívida pública (Coutinho; Belluzzo, 1998, p. 11). Com a corrosão
do poder financeiro do dólar, os controles sobre os fluxos de capital passaram
a se tornar sem efeito, com fugas de capital da economia hegemônica para os
mercados de eurodólares, crise e estagnação nas economias centrais. A ruptura
no regime de câmbio de Bretton Woods desencadeou a liberalização cambial nas
economias de maior peso, a qual, somada aos dois choques de preço do petróleo
ao longo da década de 70, resultou em grande turbulência no funcionamento das
esferas pública e privada mundiais. A decisão do governo norte-americano de
elevar de maneira significativa a taxa de juros, em 1979, trouxe implicações
decisivas sobre essa realidade, tornando-a insustentável. Ante o contexto
econômico desfavorável, passaram a tomar corpo as ideias conservadoras de que a
crise mundial era consequência das políticas de Bem-Estar Social e keynesianas
até então praticadas (Fiori, 1997, p. 116). Vitoriosas no plano político, nos
EUA, tais ideias resultaram num conjunto de reformas neoliberais do Estado, em
diferentes planos, inicialmente com políticas fiscal e monetária restritivas,
com ampla desregulamentação dos mercados e privatizações, culminando numa nova
ordem internacional7,
trazendo consigo também uma nova concepção de disciplina fiscal.
As políticas econômicas ortodoxas tenderam a se
disseminar pelos países mais desenvolvidos, especialmente nos anos 80, influenciadas
pela política macroeconômica norte-americana restritiva aplicada no início
daquela década, levando a uma forte recessão mundial. Ocorreram repercussões
negativas sobre os resultados fiscais e as dívidas públicas dos diferentes
governos, com ampliação do componente de juros e ascensão vertiginosa do
estoque de dívida. A retomada do crescimento dos EUA em 1983, pautada numa
política fiscal ativa e assentada na ampliação da dívida em títulos públicos,
inaugurou um período de recuperação do crescimento mundial8
e ao mesmo tempo um novo regime de financiamento das demandas públicas e
privadas de liquidez. Nos demais países, manteve-se a pressão para a
continuidade ou adoção de políticas monetária e fiscais restritivas.
No plano estrutural, o movimento de
desregulamentação então desencadeado envolveu o desmonte das restrições
institucionais gerais que já havia sido iniciado no mercado de câmbio desde os
anos 70 e avançou pelo mercado de bônus privados e públicos ao longo dos anos
80, atingindo também o mercado de ações, correspondendo, no conceito de
Chesnais, ao processo de mundialização financeira (Chesnais, 1998, p. 12).
No que tange ao Estado, o déficit e dívida públicos
norte-americanos assumiram um papel de base e motor do processo de globalização
financeira, ou, nos termos de Braga (2000, p. 279), a base da
"financeirização" da riqueza, dadas as características dos mercados
de títulos públicos9.
Ao longo da década de 80, grande parte da liquidez internacional foi absorvida
por essa economia na forma de títulos, monetizando, de maneira geométrica, a
dívida pública norte-americana.
Os governos dos principais países industrializados
do mundo aderiram a essa nova ordem, interessados no financiamento de seus
déficits e dívida crescentes. A liberalização e a internacionalização do
mercado de bônus redefiniram as formas desse financiamento. Estabeleceu-se uma
correspondência entre o aumento dos déficits públicos dos países
industrializados e o crescimento potencial do capital globalizado e
liberalizado.
Na Macroeconomia adotada pelos governos, passaram a
prevalecer os interesses do lado credor/detentor de créditos e da riqueza, com
a lógica financeirizada pressionando para a adoção de uma política econômica
pautada em taxas de juros reais elevadas e inflação extremamente baixa, além do
compromisso inequívoco dos governos com o pagamento dos juros da dívida
pública.
Em termos gerais, a política monetária traduziu-se
no principal instrumento de regulação macroeconômica, e a política fiscal foi
sendo gradativamente relegada a uma função passiva e controlada. A política
fiscal perdeu a autonomia relativa e, subordinada à esfera financeira, foi
submetida a uma crescente disciplina. A prioridade absoluta dos governos passou
a ser a luta contra a inflação e a estabilidade monetária10,
perdendo importância política, como objetivo governamental, a questão do
emprego, do investimento e do crescimento. A política fiscal tornou-se, desde
então, refém de um mecanismo que confere crescente importância ao Estado no
sentido de ser avalista de última instância do processo de valorização
financeira do capital. Esse novo padrão de atuação pública se insere num
contexto de baixo crescimento do investimento e do produto, com redução das
principais bases de cobrança de tributos - a renda de assalariados, os lucros
provenientes da esfera produtiva e as transações vinculadas ao processo
produtivo.
A nova ordem, tanto no plano de reformas
estruturais voltadas para a desregulamentação e a redução do tamanho do Estado
quanto no plano da política econômica, resultou num quadro mundial de finanças
desreguladas, com ampla liberalização dos fluxos de capitais. A crescente
liberalização privada correspondeu ao surgimento de fortes restrições fiscais e
financeiras na esfera pública, essas últimas cuja intensidade seria equivalente
ao poder de determinação de cada Estado-Nação no quadro de forças
internacionais.
Num contexto institucional em que o foco se
encontra na preservação da riqueza, e não na sua geração, disseminou-se uma
nova visão de Estado, de dívida e do déficit, com a prevalência da questão da
disciplina fiscal. Tal visão sustentou-se, no âmbito dos governos, no paulatino
desmonte da institucionalidade regulatória estatal, típica do Estado de
Bem-Estar Social, na intensificação dos processos de privatizações, no desmonte
das redes de proteção social e na desregulamentação pública da atividade
econômica. O mercado passou a ser visto como a esfera capaz de promover a
eficiência e a concorrência (Affonso, 2003, p. 83).
O aprofundamento e avanço das reformas e políticas
neoliberais em termos mundiais nos anos 90, com a incorporação dos então
chamados "mercados emergentes", ampliou os níveis de instabilidade
global, levando a um ambiente internacional extremamente volátil, de crescente
instabilidade das taxas de câmbio e das taxas de juros, com tendência à
ocorrência de choques e sobressaltos financeiros. As crises financeiras verificadas
desde meados da década atingiram em especial os países com maior
vulnerabilidade em termos dos seus balanços de pagamentos, trazendo riscos de
perdas em escala global.
A explicitação dos riscos dessa nova ordem
internacional fez crescer, entre os seus próprios beneficiários, a preocupação
de que os governos mais endividados passassem a atender de maneira inequívoca
aos requisitos orçamentários e financeiros mais rigorosos, garantidos não
apenas por medidas de curto prazo, mas também por um comprometimento desses
países com as dívidas prévias e com um regime de austeridade fiscal.
Notadamente, isso se verificou em países de maior risco, sujeitos a problemas
estruturais e dependentes de ajuda de instituições financeiras internacionais e
do Fundo Monetário Internacional, e mais suscetíveis a pressões.
Desde as crises dos anos 90, o enquadramento
prático da política fiscal às restrições macroeconômicas tornou-se mais
premente, e as mudanças exigidas demandaram um controle mais estrito do Estado.
A disciplina fiscal colocou-se como uma concepção dominante, passando a assumir
níveis cada vez mais específicos, capazes de promover a austeridade em todas as
esferas da atuação governamental, complexificando-se gradualmente. Os ajustes
fiscais estruturais passaram a ser priorizados, requerendo mudanças
institucionais continuadas para que se concretizassem. Nos países que não
detinham moedas fortes e estavam às voltas com elevados níveis de
endividamento, as pressões sobre a política fiscal impingiam a necessidade de geração
de elevados e recorrentes superávits primários.
Nesse contexto institucional, novas visões teóricas
acerca do déficit e da dívida passaram a ser incorporadas no âmbito da política
econômica desses países, assentadas em perspectivas negativas da atuação
governamental, a serem discutidas a seguir.
2.1 VISÕES TEÓRICAS DA ATUAÇÃO DO GOVERNO, DO
DÉFICIT, DA DÍVIDA PÚBLICA E A DISCIPLINA FISCAL FORTE
O questionamento radical das políticas keynesianas
e do uso de políticas de déficit público como instrumento de promoção do
investimento e do crescimento da economia foi empreendido pela visão das
expectativas racionais, amplamente hegemônica na Macroeconomia mainstream
desde os anos 80. Para além de Friedman e do monetarismo, que consideravam as
políticas econômicas ativas mais um mal do que um bem, Lucas afirmava que as
mesmas só poderiam fazer mal. Seu argumento é que sendo os agentes econômicos
racionais, eles incorporariam políticas monetárias previsíveis às suas
expectativas, anulando seu efeito, restando ao governo adotar políticas
aleatórias, o que, por outro lado, geraria efeitos instabilizadores sobre a
produção. Isso leva Lucas a concluir que "[...] qualquer política
monetária que vise estabilizar o ciclo econômico seria ou ineficaz ou
contraproducente" (Krugman apud Affonso, 2003, p. 37-38)
Os autores das expectativas racionais levantaram
objeções acerca dos efeitos benéficos de políticas econômicas ativas, tanto no
curto quanto no longo prazo, preconizando o abandono de políticas
discricionárias e sugerindo a adoção de regras como a melhor forma de
estabelecer a relação do governo com o mercado. Segundo essa visão, além de
desnecessário para promover o crescimento e a renda, melhor providos pelo
mercado e pelo setor privado, o governo requeria um controle estrito através de
regras. Essa teoria rompeu com a visão relativamente positiva do Estado e do
governo na Macroeconomia, passando a vê-los como agentes de distúrbio.
Em termos mais específicos, a fundamentação da
Macroeconomia mainstream, desde o princípio da expectativa racional,
implicou a aceitação da concepção de que se o governo muda as regras do jogo
econômico isto desencadeia alterações no comportamento dos agentes privados em
conformidade com as novas condições vigentes. O relativo consenso que se formou
em torno dessa concepção passou a requerer que as autoridades econômicas
levassem em conta o impacto das suas decisões nas expectativas dos agentes, as
quais se formariam a partir de avaliações do "regime de política econômica
e do ambiente econômico esperados, com respostas diferentes conforme a leitura
da política vigente e a confiança na continuidade da estratégia adotada"
(Lopreato, 2006, p. 4).
Sob essa nova perspectiva teórica hegemônica, a
disciplina fiscal é alçada à posição de sustentáculo da política econômica, que
também deveria ter no seu cerne a credibilidade dos agentes nas políticas que o
governo adota; credibilidade, essa, a ser construída por meio de medidas
coerentes e estruturais voltadas para o estabelecimento de um novo regime de
política econômica.
Fundamenta a noção de disciplina fiscal forte, o
conceito de sustentabilidade da dívida pública, o qual busca discutir a
capacidade de pagamento da mesma à luz de determinada situação macroeconômica,
bifurcando-se em duas abordagens mais importantes11:
uma, pautada na restrição orçamentária intertemporal do setor público e outra,
na sustentabilidade do crescimento da dívida pública.
Deve-se destacar que a noção de sustentabilidade
financeira intertemporal é pessimista, buscando prevenir a situação mais
desfavorável aos detentores dos recursos investidos, ou seja, na qual a taxa de
juros real é superior ao crescimento real do produto. Ela impõe que, no longo
prazo, a taxa de crescimento da dívida pública seja menor que a taxa de juros,
o que é compatível com oscilações na relação dívida/PIB ao longo do tempo. É,
portanto, relevante a comparação entre a capacidade dos governos de geração, no
tempo, de fluxos de superávits primários, descontados em valor presente pela
diferença entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento da economia e o
nível inicial da dívida. Busca-se que os níveis desses superávits cubram a parcela
de juros reais não financiada pelo imposto inflacionário ou pelo crescimento do
produto. Considera-se que o serviço da dívida não deve ser indefinidamente pago
com nova dívida e que os níveis de superávit devem ser ajustados, no caso de
situações que capitalizam a dívida, ao invés de reduzi-la, ampliando os riscos
para os credores12.
Para determinada vertente, o foco tende a se deslocar para a capacidade de
elevação sustentável da carga tributária pelo governo de forma a gerar os
superávits necessários13.
A partir dessas concepções de sustentabilidade, são
derivadas novas formas de mensurar os impactos da política fiscal, definindo
meios para seus desdobramentos ao longo do tempo. A noção de resultado fiscal e
de Necessidade de Financiamento do Setor Público ou medidas diversas de déficit
público, indicadores usuais de Finanças Públicas, passaram a ser consideradas
insuficientes para caracterizar uma situação fiscal de determinado governo. Sob
o foco das expectativas racionais, a expectativa de sustentabilidade financeira
intertemporal da política fiscal é alçada a um papel nodal14,
articulando essa esfera à questão do endividamento e inserindo-a numa moldura
financeira. A persecução de novos indicadores quantitativos para a avaliação da
política fiscal manifesta, de forma explícita, a estratégia de buscar meios
práticos para efetivamente controlá-la.
Recursos econométricos cada vez mais sofisticados
passaram a moldar essa busca de indicadores intertemporais de política fiscal,
incorporando a nova perspectiva de restrição. Isso resultou na construção de
indicadores da capacidade de pagamento da dívida pública dos diversos países,
viabilizando um controle estrito e continuado das políticas fiscais dos mesmos
à luz de diferentes situações macroeconômicas, tendo a sustentabilidade
financeira da dívida pública como base.
Segundo Lopreato (2006, p. 26), a ideia de
sustentabilidade da dívida incorporou a visão prospectiva à análise da situação
das contas públicas, bem como requereu o comprometimento dos governos com a
garantia dos ganhos esperados dos investidores privados. Para o autor, a
teorização da Macroeconomia mainstream legitimou esse compromisso segundo
duas frentes de análise: a primeira, assentada na "idéia de solvência da
dívida pública como parte do rol de ativos usados como espaço de valorização
dos capitais"; a segunda, que "estabeleceu as articulações com as
outras variáveis determinantes dos ganhos esperados dos investidores".
Essa última engloba análises que discutem as interações entre política
monetária e política fiscal (Lopreato, 2006, p. 12, 20-22, 26), vertentes que
atrelam medidas de austeridade fiscal e combate aos déficits fiscais prospectivos
como estratégia de prevenção de crises cambiais (Lopreato, 2006, p. 17-19),
além de abordagens que relacionam a política fiscal, as taxas de juros, os
fluxos de capital e prêmios de risco. Em todas essas frentes de análise
teórica, atribui-se papel central à adoção de medidas de disciplina fiscal
forte.
Sob um regime fiscal pautado em restrição
orçamentária forte, tendem a ser exigidos crescentes detalhamentos no sentido
de compromisso com medidas de ajuste fiscal estrutural, com análises feitas de
forma cada vez mais amiúde: estrutura da dívida pública, qualidade da receita e
do gasto, obrigações governamentais de longo prazo, notadamente as
previdenciárias, avaliação prospectiva de riscos de socorro ao sistema bancário
e de comprometimento com corporações, bem como operações fiscais não
registradas no balanço (Lopreato, 2006, p. 9). A financeirização das contas
públicas define o perfil do ajuste fiscal que deve se concentrar não no aumento
das receitas públicas e, sim, no corte dos gastos ou, mais especificamente,
"no corte dos salários do setor público e das transferências"
(Lopreato, 2006, p. 24).
O consenso hegemônico atribuiu papel central à
política fiscal, mas, ao mesmo tempo, retirou-lhe, quase que totalmente, a
autonomia. Lopreato (2006, p. 26) evidencia as razões dessa contradição
aparente: ela é vista como responsável por influenciar a expectativa de
rentabilidade dos títulos públicos e o comportamento das variáveis observadas
pelos investidores no momento de escolher onde alocar o capital disponível,
isto é, a tarefa da política fiscal é sinalizar o baixo risco das aplicações e
dar confiança aos investidores. Dessa forma, a política fiscal se transforma,
no âmbito da perspectiva mainstream e nos termos de Lopreato, em
"fiadora do espaço de valorização do capital", "âncora da
estabilidade macroeconômica", "farol do comportamento esperado de
outras variáveis econômicas" (Lopreato, 2006, p. 7-8).
A ideia de sustentabilidade financeira
intertemporal da política fiscal é, por conseguinte, um elemento importante da
nova visão de disciplina fiscal que passa a ser adotada, a qual se coaduna
fortemente com as demandas do mercado financeiro globalizado de minimização de
riscos em suas aplicações, garantindo espaços de valorização de capital na forma
da solvabilidade da dívida dos governos. Verifica-se a incorporação, na esfera
das contas públicas, e especialmente da política fiscal, da mesma perspectiva
que os aplicadores utilizam para seu cálculo corrente no mercado financeiro,
embutindo a avaliação de risco e tornando essa a ótica prevalecente ao
considerar todos os elementos referidos à atuação governamental com impacto na
dívida pública.
Os componentes da política fiscal passam a estar
subordinados a esse prisma hegemônico, fazendo com que as restrições
financeiras à atuação dos governos assumam crescente importância. Isso
pressiona os governos a darem prioridade às despesas financeiras e a elegerem
os níveis de superávits fiscais como meta de curto prazo, síntese da política
fiscal.
Essa nova ambiência histórica e teórica criou um
mecanismo de controle indireto das finanças públicas dos governos partícipes da
economia global estabelecido pelos mercados financeiros internacionalizados,
intensificando as restrições do mercado em escala mundial sobre os países. Tais
restrições correspondem aos níveis de abertura e liberalização dos fluxos de
capital empreendidos pelos diferentes países. A introdução de indicadores
fiscais nos cálculos de risco país que orientam as movimentações financeiras
dos aplicadores globais equivale, na prática, a um enquadramento das políticas
fiscais dos países a uma concepção ortodoxa das finanças públicas.
Todavia, apesar de sua centralidade, essa não é a
única linha analítica que contribui para uma nova visão de disciplina fiscal
dos governos. Uma outra, de destaque, está apoiada na abordagem da Economia do
Setor Público a partir de uma concepção ainda mais estrita de disciplina
fiscal. Apresenta-se, a seguir, essa linha de análise.
2.2 A CONCEPÇÃO DE DISCIPLINA FISCAL DAS NOVAS
VISÕES DE ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO
A visão tradicional da Economia do Setor Público
tornou-se inadequada para racionalizar o Estado capitalista sob a primazia da
concepção neoliberal. Uma nova fundamentação teórica foi encontrada,
especialmente em Buchanan, antikeynesiano e adepto de uma perspectiva
radicalmente liberal de Finanças Públicas, resgatando a visão de que o Estado
não deveria gastar mais do que arrecadava e deveria ser estritamente
controlado. A visão buchaniana traz, como elemento novo, a aplicação dos
supostos Neoclássicos à esfera política. Esse simples redirecionamento de foco
produziu ideias de forte apelo ao senso comum referente à atuação estatal. Seu
papel sancionador/justificador, no que tange à demolição do Estado keynesiano,
foi inquestionável.
A mudança no quadro histórico/teórico coloca como
ponto central a restrição do Estado e a sua reconstrução de forma compatível
com a nova ordem mundial financeirizada. Duas escolas de pensamento respondem
pelo aprofundamento das concepções de disciplina fiscal no âmbito da Economia
do Setor Público: a Escolha Pública e a Nova Economia Institucional, tratadas a
seguir.
2.2.1 A ESCOLHA PÚBLICA E O NOVO PAPEL DA
DISCIPLINA FISCAL
Na Economia do Setor Público, a Escolha Pública é
largamente disseminada a partir dos anos 8015,
trazendo, para o centro do debate, os processos decisórios no âmbito do Estado
e as motivações dos agentes políticos neles envolvidos. A novidade é a
introdução da política e dos agentes políticos como elementos-chave para a
explicação da atuação do Estado.
Uma frente de crítica radical e direta à visão
keynesiana de Finanças Públicas ao papel que confere ao Estado e à política
fiscal foi empreendida por Buchanan e Wagner (1977). Os autores questionam a
visão de dívida e do déficit público keynesianos, explicitando os processos
políticos envolvidos nas políticas públicas16.
Segundo essa crítica, os anos de ouro do capitalismo, nos quais predominava o
ativismo fiscal, seriam períodos de exceção, de desvio da "boa prática
fiscal" e cujos efeitos negativos ter-se-iam manifestado, num momento
posterior, na forma de estoques crescentes de dívida.
Keynes, segundo os autores, teria dado legitimidade
intelectual a um regime de déficits, de inflação e de ampliação do tamanho do
Estado, sendo que o déficit e a inflação contribuiriam para o crescimento do
mesmo, gerando pressões inflacionárias. Ele teria transferido ao Estado a responsabilidade
de manter a prosperidade da economia ao considera-lo diferente dos indivíduos,
no que tange aos gastos. Para Buchanan e Wagner, os keynesianos não se
preocupavam com a direção do desequilíbrio orçamentário ao longo do tempo,
negando, explicitamente, que o financiamento do déficit e o endividamento
trariam ônus para os contribuintes futuros, favorecendo as pessoas, na
atualidade, às expensas das mesmas no futuro17.
Mas o ponto crucial, para esses autores, seria o fato de Keynes não levar em
conta os processos de decisão política envolvidos na aplicação das políticas
públicas. O resultado seria, segundo tal ponto de vista, uma mistura instável
derivada da justaposição de prescrições econômicas pautadas no déficit, nos
gastos públicos e na democracia política.
O keynesianismo é questionado, sendo
responsabilizado pela quebra da regra de equilíbrio orçamentário que antes
teria sido sustentada, de maneira informal, pela visão prevalecente de
responsabilidade fiscal. Para os autores, o keynesianismo alteraria as
restrições institucionais, segundo as quais uma política democrática operaria,
dando livre expressão às tendências ao gasto excessivo dos políticos,
introduzindo dois vieses: um, em direção a um grande governo e outro, em
direção à inflação. Segundo essa visão, mesmo os ajustes posteriores do
keynesianismo voltados para compatibilizar a ideia de orçamento equilibrado com
o pleno emprego seriam insuficientes para promover uma verdadeira
responsabilidade fiscal.
Seria necessário, para tanto, compatibilizar os
pressupostos orientados pelo comportamento otimizador dos agentes envolvidos na
política em democracias e a visão de responsabilidade fiscal pautada na noção
de orçamento equilibrado e na consistência temporal. Defende, portanto, a
restauração do princípio fiscal clássico, com uma definição mais estrita da
atuação governamental pautada na provisão de bens e serviços. A norma fiscal
quebrada deveria ser restabelecida por meio de sua formalização numa lei
constitucional. Deveria ser uma regra simples e direta que oferecesse um
critério claro de aderência e violação, buscando refletir e expressar os
valores do cidadão. Ela restringiria a expansão orçamentária, atuando como uma
regra externa e superior, restaurando as restrições fiscais por essa via,
controlando o Estado e o ímpeto natural dos políticos em gastar. Aumentaria a
responsabilidade global dos agentes políticos sobre os assuntos de natureza
orçamentária, compatibilizando a atuação governamental e a democracia por meio
do contrato constitucional.
Uma ideia basilar da Escolha Pública que se deseja
destacar para a questão da disciplina fiscal é o "mercado político",
seguidamente aprimorada (Affonso, 2003, p. 43-45). O mercado político seria
composto de agentes (eleitores, burocratas e políticos) cujo comportamento é
otimizador de determinada função-objetivo, atuando segundo os parâmetros do
modelo concorrencial de mercados. Adotaria como pressupostos adicionais o
caráter democrático dos processos políticos, regras políticas que
possibilitariam uma participação política ampla, direta ou indireta, de todos
os membros da coletividade, com o voto expressando as preferências do eleitor,
orientado por um comportamento racional e maximizante, o elevado grau de
institucionalização das regras sociais e formas preestabelecidas para atingir o
consenso social aceitas pelos representantes políticos (Affonso, 2003, p. 52).
Segundo essa perspectiva, o mercado político seria um elemento de disciplina
por excelência que os indivíduos/eleitores exerceriam sobre o Estado,
impondo-lhe suas preferências.
Um dos veios mais radicais da Escolha Pública
encontra-se na noção de falhas de governo18
por meio do comportamento rent seeking19
do agente privado. Esse despenderia de recursos para viabilizar a sua
participação em uma política de favorecimento criada pelo Estado, conforme
Buchanan (1981, p. 214-215). Essa falha seria estabelecida pela tendência do
Estado em criar situações de monopólio favorecedoras dos agentes privados.
Nesse perfil de políticas dirigidas, incluem-se as políticas de
desenvolvimento, as políticas industriais e as políticas creditícias e fiscais
de favorecimento a segmentos particulares, típicas do Estado keynesiano e
desenvolvimentista e amplamente combatidas pela Escolha Pública. Sob esse
prisma, impor disciplina junto ao setor público requereria atuações radicais e
de desmonte, visando extinguir e evitar, no âmbito do governo, mesmo a simples
menção de quaisquer políticas que privilegiassem segmentos ou setores
específicos da Economia, o que, segundo essa perspectiva, minimizaria as
ineficiências que o próprio Estado promoveria no mercado, ou, nos seus termos,
reduziria as chamadas falhas de governo.
Com base nesse arcabouço teórico, as ações de
privatizar, desregulamentar e descentralizar teriam o condão de, ao minimizar o
tamanho do Estado e a sua intervenção, deslocando para o mercado o máximo de
funções, estimulando a concorrência entre os níveis de governo, tanto
horizontalmente quanto verticalmente, promover uma situação orçamentária
equilibrada e a eficiência econômica. Seu resultado global seria o
funcionamento do mercado sem amarras e o Estado mínimo.
A Escolha Pública tem sido uma importante
referência teórica e ideológica para as iniciativas concretas de redução dos
mecanismos típicos do Welfare State, bem como de desmonte dos Estados
Desenvolvimentistas, sancionando a minimização da atuação governamental em
amplas esferas e a extinção de restrições às atividades privadas, notadamente
na esfera financeira. Ela foi eficiente para justificar o desmonte da visão
keynesiana de Estado e questionar os fundamentos de suas políticas econômicas.
Chancelou uma ampla abertura de espaço para a atuação das forças de mercado,
relegando ao Estado o papel de promotor da desregulamentação, da liberalização,
da privatização e da descentralização, pautado num ambiente em que a disciplina
fiscal seria reentronizada por uma regra simples, pelo Estado mínimo e pelo
funcionamento do mercado político.
2.2.2 A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL E OS AVANÇOS
ADICIONAIS DA IDÉIA DE DISCIPLINA FISCAL
A visão liberal extrema no que tange ao Estado e ao
seu papel apresentada pela Escolha Pública foi eficiente para demolir, mas
incapaz de sustentar, uma reconstrução dos mesmos na ordem capitalista
globalizada. As proposições dessa visão, levada às últimas consequências,
passaram a apresentar um conteúdo instabilizante ao próprio capital. No plano
prático, não dispunha de saídas convincentes para as crises financeiras
mundiais verificadas desde meados dos anos 90. No plano teórico, a sua
fundamentação, a partir do comportamento individual maximizante, era
questionada enquanto elemento suficiente para promover a ordem e a explicação
das ações coletivas não cooperativas. Autores demonstravam que os
comportamentos egoístas não levavam a uma solução global eficiente do ponto de
vista da alocação dos recursos econômicos20.
Uma alternativa para esse dilema, no campo do mainstream, é dada pela
Nova Economia Institucional por meio da flexibilização de alguns dos
pressupostos da Escolha Pública.
Centrando-se também na escolha coletiva, bem como
mantendo a fundamentação no individualismo metodológico, a Nova Economia
Institucional busca arranjos eficientes para se alcançar uma situação de ótimo
paretiano ou, em outras palavras, uma situação de ordem e coordenação. Conserva-se
o core da Teoria Neoclássica, alterando alguns de seus pressupostos
importantes considerados irrealistas e rígidos. O agente seria racional, mas
estaria sujeito à racionalidade limitada ou a um ambiente de informação
imperfeita. A ausência de informações suficientes21
levaria ao comportamento não cooperativo, à ação antissocial e ao chamado
comportamento oportunista. Esse comportamento se daria pela desconfiança do
agente de que os demais perseguiriam escolhas que não maximizam o bem-estar
social e teriam ganhos extras por isso. Em função dessas imperfeições, falhas
de mercado generalizadas, haveria problemas nas transações entre os indivíduos,
tanto no campo econômico quanto político, problemas, esses, que gerariam
custos. Segundo essa perspectiva, os contratos seriam a forma institucional
capaz de minimizar esse problema (Moraes, 2001, p. 50).
Também focada nos processos decisórios, a Nova
Economia Institucional busca considerá-los não apenas no âmbito do mercado estricto
senso ou do mercado político/governo, mas, sim, tendo em conta as
diferentes instituições que os restringem.
Possibilitando a introdução das peculiaridades de
cada contexto específico e por meio dos contratos, seriam criados incentivos e
penalidades para as decisões particulares dos indivíduos participantes da
escolha coletiva. Segundo essa visão, o Estado deveria utilizar seu poder de
compulsão para promover institucionalidades (contratos) que levassem a ações
cooperativas, redesenhando-as por meio de incentivos e punições para que a
escolha coletiva se desse de forma cooperativa.
A perspectiva da Nova Economia Institucional
reintroduz a necessidade de atuação ativa do Estado, ao mesmo tempo que mantém
a visão negativa típica da Escolha Pública. Apesar de romper com aspectos
importantes da Escolha Pública, persiste, com sua ênfase nos processos
decisórios envolvidos nas políticas públicas, a preocupação com a atuação dos rent
seekers e dos free riders; em outras palavras, aprofunda a concepção
restritiva de política fiscal22.
O papel do Estado seria, portanto, o de gerar, de
forma artificial, as institucionalidades consideradas necessárias para a
fundação uma ordem pautada na economia de mercado e na democracia, reformando
Estado e Mercado à luz da experiência dos países capitalistas centrais.
Aplicar-se-ia, notadamente, aos países periféricos sujeitos a problemas fiscais
e financeiros ao longo do processo de disseminação da globalização financeira
nos anos 90 (AFFONSO, 2003, p. 91). Tal atuação compreende análises de como as
instituições associadas à atuação fiscal e financeira do Estado foram criadas
nesses países e como podem ser transformadas e moldadas para que gerem
comportamentos cooperativos, visando conformar as políticas correlatas a rígidos
padrões de disciplina fiscal, restringindo ao máximo o que consideram ser os
efeitos danosos do comportamento inadequado dos agentes.
No campo estritamente fiscal, a perspectiva da Nova
Economia Institucional disseminou a noção de que diferentes instituições
interferem na sua conformação, dependendo do contexto em que essa política
governamental está inserida23.
A promoção artificial da disciplina fiscal deveria se dar no âmbito das
diversas instituições envolvidas com as políticas públicas, existentes ou a
serem criadas. O resgate do Estado como ator ativo pela Nova Economia
Institucional resulta, por conseguinte, em mudanças na forma de pensar a noção
de disciplina fiscal. Ela é reconstruída de maneira adequada ao novo papel que
lhe deve caber no quadro mais abrangente da ordem financeirizada.
A visão buchaniana de estabelecer uma regra simples
para instaurar a austeridade fiscal desdobra-se em propostas detalhadas de
controle da política fiscal, impostas especialmente aos países periféricos
desde fins dos anos 90. A disciplina fiscal passa a incorporar mecanismos para
promover a transparência da atuação pública e controles cada vez mais
específicos do funcionamento da política fiscal nos moldes das Leis de
Responsabilidade Fiscal.24
Essas são normas detalhadas, voltadas para a viabilização da geração de
excedentes fiscais por meio do compromisso em lei de conferir prioridade
absoluta ao pagamento das despesas financeiras no âmbito interno dos Estados
Nacionais. Um caso limite, mas não único, é o Brasil, cuja normatização atingiu
as diferentes esferas de governo (federal, estadual e municipal) e os três
poderes, adotando um verdadeiro código de controle fiscal voltado para garantir
a remuneração dos detentores de dívida pública.
CONCLUSÃO
Este artigo destaca, num primeiro contexto, a
centralidade e a autonomia da política fiscal no âmbito da política econômica,
tendo em vista a disseminação de políticas cambiais assentadas em taxas de
câmbio relativamente fixas e a prevalência de um regime monetário/financeiro
disciplinado, com taxas de juros nominais e reais sob controle. A estabilidade
no plano cambial e monetário possibilitava uma política fiscal mais soberana e
expansionista, articulada a um ciclo longo de expansão do investimento privado
cuja conjugação público/privada alçava a esfera da produção a um papel
relevante na acumulação de capital. Essa ambiência institucional virtuosa, sob
o ponto de vista do crescimento econômico, estimulava o gasto público e a
expansão das atividades do Estado. Sua contraface foi o gradual endividamento
dos governos, das empresas e das famílias, flexibilizando a restrição
orçamentária desses agentes desde a expansão generalizada do crédito e a
prevalência dos interesses do lado devedor da equação financeira.
Posteriormente, evidencia-se um segundo contexto
que favorece os agentes privados credores do Estado e em que a política fiscal
se apequena, subordinada à volatilidade das taxas de juros e de câmbio
consequentes das políticas governamentais desregulamentadoras no plano
financeiro e da redução das oportunidades/taxas de rentabilidade do
investimento produtivo privado. O crédito se transforma numa mercadoria em si,
e as decisões de gasto das famílias, empresas e governos passam a estar
condicionadas às expectativas de retorno financeiro dos investidores privados.
A política fiscal se vê submetida a uma disciplina fiscal forte, cujo efeito é
a financeirização de sua lógica, pressionando-a a funcionar como espaço de
valorização dos capitais, bem como absorver, por meio de um ajuste fiscal
estrutural, os impactos disruptivos das políticas cambial e monetária.
Este último contexto tem como consequência o
esvaziamento da política fiscal de seu conteúdo potencializador no plano
econômico e social, reduzindo-a a um "autismo fiscal"25, posto que passa a atender
predominantemente a função de garantia de remuneração das aplicações em títulos
da dívida pública. Pelo fato de o Estado se tornar refém do círculo vicioso de
gerar recursos fiscais para honrar o serviço da dívida, dissemina-se uma noção
de disciplina fiscal forte que se assenta notadamente na ideia de credibilidade
da política fiscal, sustentabilidade financeira da dívida pública e nas visões
de desmonte e redesenho institucionais típicas da Escolha Pública e da Nova
Economia Institucional. Esta última tende a criar regulamentações crescentes à
atuação do Estado, viabilizando os meios para que a financeirização avance em
múltiplas frentes da atuação governamental, aprofundando os mecanismos de
restrição fiscal de forma a garantir os excedentes fiscais considerados
necessários à cobertura das despesas financeiras do Estado capitalista.
A disseminação, aprofundamento e complexificação da
concepção de disciplina fiscal resultam na tendência a uma concepção de curto
prazo das Finanças Públicas, voltada para a ampliação da carga tributária,
conjugada à estagnação ou mesmo redução da qualidade do gasto público, com
vistas a gerar excedentes fiscais. Esse contexto realimenta as concepções
negativas de Estado, de déficit e de dívida pública, no sentido de que extraem
recursos da sociedade e ao mesmo tempo reduzem os retornos que lhe proporcionam
na provisão de bens públicos. Com um potencial aspecto positivo, instaura-se um
ambiente que pressiona por um uso mais racional e transparente dos recursos
públicos no plano corrente do orçamento governamental, mas cujo impacto
favorável à sociedade depende fortemente de sua capacidade de mobilização
política e de fiscalização do Estado.
Por fim, deve-se ponderar que a crise financeira
internacional, que se acirrou desde a Economia Central, entre 2007 e 2008, e se
manifestou novamente em 2011, tanto nos EUA quanto na Europa, não reverteu esse
quadro institucional, tendo em vista ser a disciplina fiscal uma base
fundamental do capitalismo financeirizado em escala mundial. O socorro
governamental verificado não reverteu a desregulamentação privada nem reduziu
de maneira sustentada a pressão pela promoção da disciplina fiscal no âmbito do
Estado capitalista. A flexibilização fiscal ocorrida foi basicamente dirigida
às instituições financeiras, com baixos efeitos sobre a demanda efetiva e a
retomada do crescimento econômico. Os aspectos estruturais que definem o papel
da política fiscal crescentemente pautada pela austeridade fiscal e pela lógica
da restrição orçamentária forte permanecem arraigados e funcionais à ordem
financeirizada que prevalece, a despeito da profundidade da crise atual.
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Pública focada especificamente na crítica à Keynes encontra-se em Buchanan e
Wagner (1977).
(2)
Kornai (1986, 2004) apresentam, de maneira estilizada, dois contextos segundo a
ótica da disciplina fiscal. Este é um autor muito citado pelo mainstream,
tendo introduzido a ideia de restrição orçamentária forte (hard budget
constraint).
(3)
Sobre algumas experiências de recuperação econômica com atuação do Estado no
pós-guerra, ver Bleaney (1985).
(4)
Acerca dos chamados anos gloriosos, ver Van Der Wee (1987), Zysman (1983), Glyn
et al. (1990) e Guttmann (1994).
(5)
Criado nos anos 30 e início dos anos 40 por John Hicks e Alvin Hansen, conforme
Blanchard (2004).
(6)
A visão original de Keynes está longe de defender o déficit público como
ferramenta de atuação governamental de uso indiscriminado e de resultados
automáticos como tende a ocorrer na Síntese Neoclássica. Nesta, o déficit
público funciona como um mecanismo de geração de demanda efetiva nas situações
de depressão cíclica, e não como um instrumento de uso continuado (Keynes,
1985).
(7)
Sobre a nova ordem internacional e a retomada da hegemonia norte-americana, ver
Tavares (1997) e Fiori (1997).
(8)
Sobre a questão da recuperação dos EUA a partir de 1983, ver Baer (1994, p.
43), Cline (1989, p. 53-57) e Marris (1987, p. 42-43).
(9)
Principalmente pelas virtudes de ser o mercado mais profundo e mais líquido.
(10)
Conforme comprova Plihon (1995) para os países europeus.
(11)
Conforme os autores citados e classificados por Guardia (1999, p. 22), segundo
as vertentes que estudam a restrição orçamentária intertemporal do setor
público (Barro; Sargent; Wallace) e as que estudam a sustentabilidade do
crescimento da dívida pública (Domar; Barro; Spaventa; Blanchard).
(12)
Essa noção de sustentabilidade é classificada por Rocha (2004) como sendo a
abordagem do valor presente.
(13)
Nas controvérsias acerca dos efeitos de uma política de geração de superávits
primários sobre as variáveis envolvidas na política de ajuste fiscal, pode-se
perceber que existem diferentes posições no que tange ao perfil adequado,
conforme destaca Rocha e Giuberti (2005). A concepção de sustentabilidade de
Guardia (1999), segundo a qual a geração de superávits remete diretamente ao
aumento da carga tributária, é a que prevaleceu no Brasil durante o governo
Fernando Henrique Cardoso.
(14)
Lopreato (2004) discute explicitamente esse aspecto de novidade na visão do
papel da política fiscal, focando sua abordagem na atuação do FMI.
(15)
Para um panorama da Escolha Pública, ver Aguirre e Moraes (1997), Moraes (2001)
e Casas Pardo (1984).
(16)
Além da obra de Buchanan e Wagner (1977), que trata especificamente da questão
fiscal, pode-se encontrar os fundamentos da perspectiva de governo desse autor
em Buchanan e Tullock (1993) e Buchanan (1981).
(17)
Esse aspecto da crítica se aplica muito mais à visão da Síntese Neoclássica do
que a Keynes, que só defende o uso do déficit público para combater problemas
de demanda efetiva.
(18)
O conceito de falhas de governo na Escolha Pública é a contraface do conceito
de falha de mercado na Welfare Economics. Como exemplo de falhas de
governo, além do comportamento rent seeking, temos o paradoxo do voto, o
poder de agenda, o logrolling, a instabilidade de maiorias e os grupos
de interesse (Borsani, 2004, p. 109-119).
(19)
Segundo Borsani (2004, p. 116, nota 20), o primeiro a desenvolver esse conceito
foi Tullock (1959), sendo que Krueger (1974) cunhou o termo e, posteriormente,
Buchanan (1981) também o desenvolveu no âmbito da Escolha Pública.
(20)
Aspectos formalizados na Economia por Kenneth Arrow e na Ciência Política, por
Mancur Olson.
(21)
A assimetria de informação baseia-se em três premissas básicas: seleção
adversa, caracterizada pela falta de informação, que conduz as pessoas a
fazerem uma escolha errada; risco moral, caracterizado por um
comportamento oportunista do interlocutor que possui mais informação; exclusão
de produtos de boa qualidade, caracterizando uma situação em que o
desconhecimento da qualidade de produtos propicia uma saída dos produtos de
melhor qualidade do mercado tendo em vista a concorrência desleal dos
produtores (Stiglitz, 2000).
(22)
Oliveira (2009, p. 60-61) destaca o aspecto de a Nova Economia Institucional
geralmente embutir a visão de austeridade fiscal pautada nas concepções da
Macroeconomia mainstream moderna, notadamente a ideia de
sustentabilidade financeira da dívida.
(23)
Guardia (1999) é um exemplo de abordagem nesses moldes, tratando a política
fiscal brasileira à luz das institucionalidades que elege como básicas para seu
entendimento.
(24)
Oliva (2001) evidencia as várias experiências de implantação da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), destacando, como as mais abrangentes, as da Nova
Zelândia (1994), Colômbia (2000), Equador (2001) e Brasil (2000), considerando
esta última, como uma das mais completas do gênero. Estas três últimas
experiências ocorreram no bojo de acordos com o FMI. Outro país
latino-americano com acordos junto ao FMI, que aprovou uma LRF para a esfera
central, foi a Argentina em 1999. O Peru também adotou uma LRF no mesmo ano, no
contexto de um empréstimo junto ao Interamerican Development Bank.
(25)
Termo utilizado por Hermann (2008) para se referir ao perfil da política fiscal
na atualidade.