Blog FINANÇAS
DO ESTADO BRASILEIRO, de autoria de Álaze Gabriel.
Autoria:
José
Alexandre M. Pigatto - Professor do Departamento de
Administração do Cesnors da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Endereço: Av. Independência, 3751, sala 102, Caixa Postal 511- CEP 98300-000,
Palmeiras das Missões, RS, Brasil.
Victor
Branco de Holanda - Professor do Departamento de
Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Endereço: Rua Alexandre Câmara, 1884 - CEP 59082-200, Natal, RN, Brasil.
Cristiane
R. Moreira - Professora do Departamento de
Administração do Cesnors/UFSM. Endereço: Av. Independência, 3751, sala 102,
Caixa Postal 511 - CEP 98300-000, Palmeiras das Missões, RS, Brasil.
Frederico
A. Carvalho - Professor do Programa de
Mestrado em Ciências Contábeis da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj). Endereço: Rua Sá Viana, 99, apto. 502 - CEP 20540-260, Rio de Janeiro,
RJ, Brasil.
RESUMO
A gestão financeira governamental, calcada em
indicadores fiscais de curto prazo, tem sido questionada quanto à capacidade de
atender aos anseios informacionais de diferentes stakeholders. A
cidadania se realiza através da garantia dos direitos individuais,
especialmente o direito à informação. Os fluxos financeiros isoladamente não
representam o consumo de recursos, nem seu comprometimento no longo prazo,
evidenciando ao cidadão o impacto imediato do uso de recursos públicos e pouco
dizendo sobre o aumento de encargos no futuro. Um regime mais abrangente pode
evidenciar uma cifra de longo prazo intergerações, contribuindo para a tomada
de decisão política fiscal e operacional. Essa possibilidade suscita ajustes
metodológicos na informação contábil governamental. Este artigo discute os
mecanismos de pressão por melhores informações e suas diferentes expressões,
apresentando um caso fictício para exemplificar parte dos argumentos teóricos.
Palavras -chave: finanças públicas; contabilidade governamental;
custos.
1. INTRODUÇÃO
A procura pelo desenvolvimento e pela promoção do
bem comum no Brasil tem sido um problema persistente durante décadas,
resistente às teorias econômicas e aos planos políticos. Uma questão intrigante
e difícil de responder é: por que após tantos anos de investimento ainda não
conseguimos atingir um grau razoável de desenvolvimento?
Cada época apresenta desafios governamentais
diferentes. A crise dos anos 1930 caracterizou-se pela insuficiência na demanda
e a mais recente, como a crise fiscal do Estado (Pereira, 1996:15). O remédio
para a de 1930 foi encontrado na geração de déficits fiscais que objetivavam o
pleno emprego. O paradigma keynesiano aplicado às finanças públicas partia do
princípio de que "no longo prazo todos estaríamos mortos" e,
portanto, o que importava era o impacto da política fiscal sobre os fluxos de caixa
presentes do governo e não sobre os futuros (Kotlikoff, 1993). Nessa concepção,
o déficit orçamentário consolidado (fiscal, de investimentos e da Previdência)
tornou-se o marco da condução das políticas fiscais e o marco referencial da
gestão financeira, inclusive a patrimonial. Uma assimetria de informações entre
gerações fiscais e o consequente desequilíbrio entre os ativos e os passivos
podem ter conduzido o país a restrições financeiras e, por conseguinte,
reduzido a capacidade de investimento público. No futuro, talvez as questões se
remetam a aspectos ainda mais abrangentes do que a dimensão fiscal, tal como o
da questão ambiental. Este artigo explora os conceitos e as possiblidades
informacionais dos custos na evidenciação mais realista de sustentabilidade na
capacidade de prestação de serviços públicos.
2. PRESSÕES INTERNA E EXTERNA POR MAIS INFORMAÇÕES
No Brasil recente, o movimento reformista do Estado
foi fortalecido com o Decreto-lei nº200, de 1967, ou a reforma
desenvolvimentista. O decreto introduziu, pela primeira vez, a determinação de
apuração de custos no governo. Todavia, os instrumentos necessários para tornar
essa reforma de fato gerencial não foram estabelecidos (Pereira, 1996:167).
A partir da década de 1980 o mundo começou a
discutir e a aderir ao movimento da nova administração pública. No final dessa
mesma década, a Constituição Federal brasileira (1988) institucionalizou o
princípio da eficiência (CF, 1988, art. 37). O movimento da nova administração
pública propôs e modificou a participação do Estado, exigindo dele uma gestão
fiscal responsável. A alteração no paradigma da função e do papel do Estado
demandou um modelo diferente de informação financeira. Na Nova Zelândia, por
exemplo, o movimento foi impulsionado pela reforma contábil. A Espanha
experimentou tais mudanças paradigmáticas e Ruiz (2000:215) sintetizou as
implicações da nova administração pública no país.
Tais características apresentam a contabilidade de
custos como instrumento de apuração de resultados e de aferição da
competitividade das atividades empreendidas pelo governo.
No contexto de agravamento da crise fiscal
brasileira, ocorreu a promulgação da Lei Complementar nº101, no ano 2000. A lei
fixou uma série de restrições sobre o gasto público no curto prazo e impôs, sem
especificar, mecanismos para o "... controle de custos e avaliação dos
programas financiados com recursos dos orçamentos" (LC nº101/2000, art.4,
inc. I). A despeito de que esta última exigência demonstrava a preocupação com
a sustentabilidade da política fiscal no longo prazo, nem a LRF, nem o
Decreto-lei nº200 expressaram quais seriam os meios para apurar a informação de
custo. Além disso, nesses documentos não foram consideradas algumas limitações
advindas principalmente do escopo do regime contábil preconizado pela lei geral
de finanças, a Lei nº 4.320, de 1964.
3. REGIMES CONTÁBEIS
A seguir serão analisados o regime de caixa, o
regime financeiro e o regime de competência patrimonial e suas possibilidades
frente à evidenciação intergeneracional dos gastos públicos, de modo a
verificar o seu impacto na apuração dos custos dos serviços.
Regime de caixa
A contabilidade pelo regime de caixa reconhece
somente as transações e eventos no momento do ingresso ou desembolso do
dinheiro. Este regime mede o resultado financeiro global de um período a partir
da diferença entre o caixa recebido e o caixa pago.
Tradicionalmente os orçamentos governamentais e
suas fixações de despesas têm sido efetivados em regime de caixa. Este é um dos
fatores que conduziu à prevalência do regime de caixa na contabilidade
governamental. A popularida de do regime de caixa no governo emerge da
necessidade parlamentar ou de outros representantes do eleitorado, de monitorar
a arrecadação ou recebimentos tributários e o seu subsequente gasto a cada ano.
Os únicos ativos reconhecidos no regime de caixa
são os elementos considerados caixa ou "próximos" de caixa. São
considerados caixa: saldos em dinheiro, valores em trânsito e depósitos
bancários. Já os valores próximos de caixa são aplicações em investimentos de
curto prazo. Os pagamentos usualmente são classificados em correntes e de
capital, dependendo da vida útil do ativo recebido numa transação recíproca.
Esses gastos são subdivididos ainda por funções e natureza.
A falha do regime de caixa reside no fato de não
fornecer informações sobre outros ativos e passivos, nem o impacto do consumo
dos ativos do governo adquiridos no passado, nem o comprometimento futuro dos
ativos através da geração de passivos. Centra-se apenas no fluxo de caixa do
período, ignorando outros fluxos de recursos que afetam a capacidade do governo
em prestar benefícios atuais e futuros à população. Como vantagem, pode-se
enumerar sua maior objetividade de informação, menos sujeita a julgamentos por
parte de quem a elabora e permitindo uma compreensão mais fácil pelo
legislativo, pois os conceitos de arrecadação e de desembolso são de domínio
público.
Regime financeiro
O regime financeiro é um pouco mais amplo do que o
regime de caixa, podendo reconhecer no seu alcance as variações de itens a
pagar e receber. O alcance da Lei nº4.320, no entanto, é um pouco mais
restritivo. De acordo com o art. 35 da Lei nº4.320, receita é o recurso
arrecadado, mesmo que não houvesse previsão para tanto. Essa arrecadação pode
aumentar o passivo, reduzir o ativo ou simplesmente aumentar o saldo
patrimonial.
No caso da despesa, o art. 35 determina que se
reconheçam os compromissos de gastos, os empenhos (que serão futuramente
gastos), como de competência financeira (ou orçamentária). Isso evidencia que o
regime financeiro ou orçamentário para a despesa, em que o critério de
reconhecimento é o empenho, é ainda mais conservador do que o regime de caixa
puro. Não se considera se esses gastos são despesas, custos ou investimentos e
sim se são compromissos que demandam alocação orçamentária.
No regime financeiro, a primeira falha, do ponto de
vista da informação de custos, é a incapacidade de retratar os custos do
consumo de ativos e oriundos da assunção de passivos, ou seja, os custos
financiados por orçamentos passados (ativos) ou a serem financiados por
orçamentos futuros (passivos). Além disso, ele é capaz de antecipar a redução patrimonial
sem que a entidade tenha se beneficiado pelo recebimento do bem ou do material
adquirido.
Regime de competência
(accrual basis)
O conceito de uma contabilidade que não leve em
conta a competência econômico-patrimonial resume-se a registros incompletos. A
necessidade de apuração de resultados e avaliação de desempenhos conduz ao
conceito de regime de competência:
Regime de competência é o regime contábil segundo o
qual transações e outros eventos são reconhecidos quando ocorrem (não somente
quando o caixa ou seus equivalentes são recebidos ou pagos). Portanto, as
transações e eventos são registrados contabilmente e reconhecidos nas
demonstrações contábeis referentes aos respectivos períodos. Os elementos
reconhecidos sob o regime de competência são ativos, passivos, patrimônio
líquido/ativos líquidos, receitas e despesas.
(Ifac, 2006, tradução nossa)
Em razão da relação de causa e efeito estabelecida
entre despesas e receitas, os resultados das entidades com fim lucrativo exigem
confrontação entre ambas. Nas entidades sem fins lucrativos, como no caso do
governo, essa confrontação simplesmente representa a diferença entre os valores
que se incorporaram e os que se desincorporaram do patrimônio. A aplicação do
princípio em ambas constitui o momento de reconhecimento da alteração
patrimonial quantitativa, embora com significados distintos.
O modelo conceitual de contabilidade mensurada pelo
regime de competência econômica é representado pela equação contábil, ou seja,
ativo é igual a passivo mais patrimônio líquido. Essa equação é capaz de
demonstrar que estoques de recursos uma entidade detém, em uma data específica,
quanto de recursos essa entidade tomou emprestado e qual é seu saldo
patrimonial. Se esse patrimônio for capaz de representar a totalidade de ativos
e passivos da entidade a valor presente, então ele representa a capacidade
intertemporal de geração de benefícios ao seu detentor.
No regime de caixa, a mensuração dos eventos de um
período se restringe aos ingressos e desembolsos de dinheiro em caixa. No
regime de competência, por sua vez, se reconhece um leque mais amplo de valores
no resultado, antes que sejam arrecadados ou pagos. No regime de competência a
receita é reconhecida independentemente da sua arrecadação, possibilitando, stricto
sensu, um gasto sem que a respectiva disponibilidade tenha sido realizada
no caixa. Esse critério é menos conservador ou prudente do que o critério de
caixa.
Os ativos contabilizados são os recursos que a
entidade possui, adquiridos a partir de recursos arrecadados que foram retidos
e não transferidos a terceiros como benefício, compondo o patrimônio da entidade,
e que devem ser capazes de gerar benefícios econômicos presentes ou futuros e
ser mensuráveis monetariamente. Assim, os ativos representam estoques de
benefícios transferíveis ao proprietário ou a terceiros que detenham direitos
sobre capitais emprestados ou disponibilizados à entidade.
O consumo dos ativos ocorre não só pela
transferência de benefícios, mas também pela perda dessa capacidade (impairment).
Os passivos são promessas de entrega a terceiros de
ativos que a entidade possui. Em outras palavras, são obrigações capazes de
reduzir os benefícios econômicos da entidade no futuro pela transferência dos
mesmos a terceiros.
Entretanto, nem todo aumento de estoque passivo é
gasto. As dívidas de longo prazo tornam-se gastos quando se aproximam de sua
liquidação no caixa, pelo vencimento do principal ou do seu serviço, os juros.
Diante dessas possibilidades intertemporais de
reconhecimento dos gastos incorridos na prestação dos serviços, pode-se
imaginar o alcance dos fluxos em cada regime.
As transações
governamentais provocam alterações quantitativas e qualitativas no patrimônio.
As variações quantitativas, no orçamento ou no patrimônio, estão associadas a
períodos de tempo, identificando a competência de sua apropriação, já as
qualitativas ficam restritas apenas às transações. Na apuração do resultado ou
na avaliação do desempenho, a inclusão de receitas e de despesas depende do
alcance da orientação de registro de estoques de ativos e de passivos, o que
pode ter origem cultural, legal, doutrinária ou profissional.
Os diferentes estoques de ativos e passivos se
inserem em uma taxonomia que pode ser diferente em se tratando de setor com
fins lucrativos ou sem fins lucrativos, do tipo governamental ou social. Assim,
no patrimônio os elementos ativos e passivos podem ser classificados em
monetários, financeiros, circulantes, não circulantes, permanentes, de origem
orçamentária ou extraorçamentária.
De acordo com Sterck, Conings e Bouckaert
(2005:54), o Canadá,Ia Holanda, a Suécia e os Estados Unidos
utilizam o regime financeiro em seu orçamento, enquanto a Austrália e o Reino
Unido utilizam o regime de competência. Desses países, somente a Holanda
utilizaria o regime de caixa para o patrimônio, enquanto os outros cinco países
utilizariam o regime de competência. Como se observa, tais países, em sua
maioria, adotam um critério misto, ou seja, um regime no orçamento e outro no
patrimônio.
O Brasil também emprega um regime financeiro no
orçamento e outro de competência no patrimônio, embora este último esteja em
fase de expansão de alcance pela adoção das normas internacionais de
contabilidade para o setor público. Duas características devem ser destacadas
no modelo brasileiro. A primeira é que o mesmo modelo é aplicado a todos os
níveis de governo; a segunda é que a contabilidade orçamentária e a patrimonial
são integradas. Esta última característica é decisiva para explicar os
problemas na apuração de custos de transformação, destacados a seguir.
4. GASTOS INTERORÇAMENTÁRIOS: CUSTOS DA
ADMINISTRAÇÃO GOVERNAMENTAL
Uma primeira dimensão de custo representa o valor
que foi ou que deve ser utilizado ou sacrificado em favor de um objetivo em
particular. Trata-se do custo de transformação. Para Martins (1996:25), esse
"custo é o gasto relativo ao bem ou serviço utilizado na produção de
outros bens ou serviços". Em outras palavras, é o gasto apropriado no
período a um objeto. Essa apropriação pode vir de estoques de ativos que foram
gastos no passado ou, por exemplo, de estoques de passivos atuariais em
formação, cujo gasto ocorrerá no futuro. O objeto ou portador que recebe esses
custos pode ser qualquer coisa, desde que dela se deseje conhecer ou mensurar
custos (Horngren, Datar e Foster, 2000:19).
No setor privado comercial os seguros, a
depreciação e os salários são custos do período (despesas do exercício). Na
indústria, muitos desses itens se relacionam às atividades de produção e,
portanto, como custos de produção indiretos são custos dos produtos. Por outro
lado, na administração governamental não há necessidade de distinção entre
custos dos produtos e serviços, uma vez que o objetivo é a apuração dos custos
dos serviços prestados, pressupondo-se a inexistência de estoques de serviços
(Machado, 2005:110).
Dadas as peculiaridades dos regimes empregados e da
integração da contabilidade do orçamento e do patrimônio, problemas surgem na
apuração do custo do serviço global de uma entidade governamental. Machado
(2005:110) enumera diversos problemas no caso brasileiro, entre eles: despesa
orçamentária corrente, empregada na produção de ativo permanente; restos
orçamentários a pagar não processados de gastos cujo valor de faturamento não
se conhece no encerramento do exercício; restos orçamentários a pagar não
processados de bens e serviços não recebidos; e falta de incorporação das obras
públicas (bens artificiais de uso comum). Aliás, a esse respeito Petri (1987:6)
já alertava que
em termos de deficiências da Contabilidade Pública,
a principal relaciona-se com as distorções que provocam o surgimento de
"passivos reais a descoberto" e que se originam (...) de uma
imprecisão na retratação dos ativos.
Outros problemas característicos do modelo
brasileiro, apontados por Machado, dizem respeito às variações passivas
independentes da execução orçamentária, não registradas, tais como
depreciações, sentenças judiciais desfavoráveis e passivos atuariais em
formação. Esses problemas decorrem, como foi dito, do descompasso entre, de um
lado, a apropriação de gastos no orçamento e no patrimônio, e de outro, daquilo
que realmente deveria ser considerado no desempenho do período.
5. CUSTOS DE TRANSAÇÃO
Em 1960 Ronald Coase formulou um teorema econômico
que contradiz a teoria de Pigou, a saber, somente os governos poderiam
internalizar as externalidades por meio de impostos e subsídios (Coase,
1960:7). Coase argumentou que, se fosse considerado o custo de oportunidade em
sua acepção plena, nenhum daqueles artifícios seria necessário. Em outras
palavras, em uma situação em que o custo de transação fosse zero, ganhadores e
perdedores privados internalizariam as externalidades por meio de uma
negociação, qualquer que fosse a parte detentora do direito de propriedade. A
ausência de custos de transação seria, assim, uma presunção irrealista (Coase,
1960:1) e seria um lapso lógico no pensamento econômico clássico (Williamson,
2005:3).
Essa conclusão leva a outra, ou seja, que os custos
de transação são inevitáveis, decorrendo da necessidade de desenvolver padrões
regulares de interação humana (North, 1990:23). Tendo em vista sua
complexidade, as interações são rotuladas de instituições e, em alguns casos,
poderiam não conduzir a um resultado ótimo. Os custos de transação seriam os
próprios "(...) custos de funcionamento do sistema econômico"
(Williamson, 1991:269, tradução nossa) e envolveriam, por exemplo,
externalidades, assimetrias de informação e outros riscos, por exemplo,
decorrentes de atitudes oportunistas. Embora importantes, os custos de
transação são de dificil mensuração e por isso não foram incluídos no caso aqui
proposto.
6. CUSTOS SOCIAIS
O custo social representa o conjunto de encargos
que a coletividade suporta em função de determinada atividade. Um exemplo são
os custos ambientais. Em grande parte sua captura dependeria do registro dos
recursos ambientais mas, para a macroeconomia, o problema da operacionalização
do cálculo do consumo desses ativos é um problema detectado, porém não
resolvido (Montoro Filho, 1992:29).
Na esfera da contabilidade governamental esbarra-se
em dois fatores que interferem na captura dos ativos e passivos ambientais, bem
como de suas variações. Em primeiro lugar, os ativos registrados não
representam toda a riqueza sob a jurisdição de uma administração pública,
portanto, uma subtração de ativos ainda que potencial somente será possível se
o ativo estiver devidamente registrado. Em segundo lugar, qual o valor a ser
atribuído a esse ativo? Os recursos naturais originais não possuem um custo de
aquisição. Por exemplo, as florestas são consideradas pelo Código Civil brasileiro
bens imóveis e de uso comum do povo. A exploração desses recursos é
contabilizada na macroeconomia como produto. Os custos de obtenção desse
produto não são apurados. É como se o produto fosse obtido com custo de
matéria-prima zero. Assim, na esfera microeconômica, as florestas acabam tendo
o tratamento de bens de uso comum e não são registradas.
7. DINÂMICA FINANCEIRA PATRIMONIAL
O caso a seguir foi idealizado para ilustrar a
problemática da apuração de custos de transformação e parte de um balanço
patrimonial inicial (tabela 1) de uma entidade governamental
brasileira.
Para fins de simplificação,
supõe-se que a depreciação do período é de 10% do total do ativo permanente,
que tanto os equipamentos, quanto a reforma de bens foram executados no final
do exercício e que não houve consumo de almoxarifado. Além disso, os recebíveis
da dívida ativa são a diferença entre a arrecadação e o lançamento da receita.
Para fins de simplificação, supõe-se que a
depreciação do período é de 10% do total do ativo permanente, que tanto os
equipamentos, quanto a reforma de bens foram executados no final do exercício e
que não houve consumo de almoxarifado. Além disso, os recebíveis da dívida
ativa são a diferença entre a arrecadação e o lançamento da receita.
Os fluxos possíveis de apuração estão na tabela a seguir:
Os pagamentos do período totalizaram R$ 125 mil.
Por outro lado, os gastos financeiros ficaram em R$ 148 mil, considerando-se o
total de restos a pagar processados de R$ 9 mil, e não processados inscritos
como obrigação jurídica de R$ 14 mil. Desses gastos, R$ 25 mil correspondem a
bens que se incorporam ao almoxarifado e R$ 25 mil a equipamentos adquiridos e
recebidos, representando variações ativas que retificam a variação financeira
passiva de R$ 148 mil para o movimento passivo efetivo no patrimônio líquido
que se deve à execução orçamentária, ou seja, R$ 98 mil.
Entretanto, pela prática brasileira é possível
reconhecer, ainda, variações patrimoniais independentes da execução
orçamentária, tal como no caso da depreciação, que teria reduzido em mais R$ 9
mil o saldo patrimonial, elevando a variação patrimonial passiva do período
para R$ 107 mil. A variação patrimonial passiva reconhecida no período,
contudo, não corresponde ao custo dos serviços no período. O montante de R$ 107
mil inclui R$ 9 mil de restos a pagar não processados e R$ 11 mil de despesas
de reformas de bens móveis, indevidamente consideradas despesa do período.
O saldo patrimonial final de R$ 92 mil corresponde
ao saldo inicial de R$ 47 mil mais o resultado patrimonial do período. Contudo,
só deveriam ser considerados custos dos serviços o gasto com pessoal e a
depreciação, de modo que, neste caso proposto, a variação patrimonial passiva
"correta" ou o custo dos serviços do período, seria R$ 20 mil menor
do que foi levado ao resultado do exercício. Outro ajuste resultaria em um
problema de gestão financeira. Considerada a integração entre a contabilidade
orçamentária e patrimonial, o superávit financeiro do balanço patrimonial, ou
seja a diferença entre o ativo e passivo financeiro, que é fonte de recursos
para abertura de créditos orçamentários, ao sofrer o ajuste deixa de evidenciar
a obrigação jurídica dos restos a pagar, liberando o seu recurso de cobertura
de R$ 9 mil para novos créditos.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir que o uso do regime de caixa ou
financeiro, isoladamente, distorce o valor do custo das operações
governamentais, embora sua apuração seja mais objetiva. O regime financeiro,
por exemplo, atribui ao período gastos de compromissos legalmente assumidos,
dos quais os fornecedores não entregaram sua parte em bens e serviços e que,
portanto, não deveriam ser reconhecidos como "custos do período".
Essa situação ficou demonstrada no caso apresentado.
Entretanto, a ampliação do alcance contábil pelo
registro de bens artificiais de uso comum, tais como obras públicas, melhoraria
a representação da sustentabilidade da capacidade de prestação de serviços
públicos entre gerações. O mesmo pode se dizer a respeito de passivos em
formação, por exemplo, precatórios e passivos previdenciários, que representam
restrições financeiras futuras com imputação de responsabilidade presente no
patrimônio, além da depreciação.
Aparentemente, o alcance máximo e mais desafiador
com que um sistema governamental de custos pode se deparar, além dos custos de
oportunidade, é o da evidenciação de bens naturais de uso comum - as florestas,
mares, rios, lagos etc. Informar aos cidadãos sobre de quanto se dispõe destes
recursos por meio de um denominador monetário não é tarefa simples. Entretanto,
a mensuração desses custos - tanto os de oportunidade, quanto os sociais de
impactos ambientais - torna imperativo levar a extensão do conceito abordado no
artigo até essa fronteira.
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Artigo recebido em fev. e aceito
em maio 2010.
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